A situação na Catalunha, depois das eleições de 21 de Dezembro, está completamente embrulhada. Em
número de deputados, os independentistas têm maioria absoluta (70 lugares num
parlamento de 135). Contudo, os independentistas apenas têm 47,5% dos votos.
Isto parece indicar que os não independentistas têm, em caso de um hipotético
referendo, uma maioria garantida. Nem isso, porém, é claro. Os não
independentistas somam 50,9% dos votos. Contudo, neste bloco estão
contabilizados os 7,45% do CatComú-Podem, o Podemos catalão e os seus aliados,
que parecem ser bastante esquivos. Nada garante que parte destes votos, num
hipotético referendo, não se desloque para o independentismo. Em resumo, uma
salsada das antigas, na qual o senhor Rajoy, com os seus tiques marialvas, sai
maltratado. Não resolveu nenhum problema e talvez tenha criado alguns. O não
independentismo deve ter atingido o seu pico no dia de hoje, a partir de agora
o mais previsível é diminuir por falta de comparência. Do ponto de vista
democrático, só um referendo legal poderá resolver a situação. Ora, para isso é
necessário mexer na Constituição e na linguagem arcaica e quasi-falangista que
transparece no corpo legal espanhol. Será que os fantasmas espanhóis o vão
permitir?
quinta-feira, 21 de dezembro de 2017
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
Polónia e Estado de direito
O que a Polónia aprovou é um ataque aos princípios
fundamentais do Estado de direito. Por certo, não deve haver governante que não
gostasse de controlar o aparelho judicial. Isso, porém, seria destruir não
apenas o sistema democrático mas também o direito básico fundamental a um
julgamento justo e imparcial. Seria trazer o inferno para a Terra. O que separa
um Estado de direito de um Estado absoluto é, mais do que a existência do
pluralismo político, a clara separação entre o poder executivo e o poder judicial.
Perante a decisão polaca, vamos ter agora a possibilidade de averiguar, na
prática, as crenças que norteiam as elites políticas europeias.
domingo, 17 de dezembro de 2017
Pancadinhas nas costas
Esta linguagem serve para quê? Todos nós temos o direito de
julgar as agências de rating uma das dez pragas do Egipto. Pessoalmente, não
lhes tenho particular estima. A questão, porém, é outra. De que me serve
abominar com veemência e ardor - a líder do BE (ver aqui) é sempre veemente e ardorosa -
essas terríveis entidades diabólicas, se depois a minha vidinha depende delas?
Importante seria demonstrar que o país não depende do rating que essas agências
malévolas lhe atribuem. Ora como o país parece que depende, como o BE e outros
ainda não conseguiram explicar como podemos viver sem aquelas sentenças imorais
que essas malditas górgonas se lembram de proferir a torto e a direito, o
melhor é receber delas pancadinhas nas costas do que murros na cara.
sexta-feira, 15 de dezembro de 2017
Perdeu o faro
Será que António Costa perdeu o faro político que parecia
ser a sua imagem de marca? Será que não passa de um adolescente que se
entusiasma e diz qualquer coisa movido pela emoção? Não saberá ele, que anda há
tanto tempo nisto, que qualquer palavra - ou até qualquer murmúrio - que saia
da sua boca vai ser escrutinada até à exaustão? Por muitas razões que a
economia lhe dê para rir e celebrar (até a Fitch o veio ajudar), ele, depois da
devastação dos incêndios, terá de medir cada palavra que diz, cada expressão
facial que apresenta. Um político não tem estados de alma. Um político que luta
para manter o poder apresenta os estados de alma que os eleitores esperam dele.
As coisas são o que são. Num ano em que morreram mais de cem pessoas em
incêndios, devido aos quais o governo está sob forte escrutínio público, nem ao
diabo lembraria vir dizer que 2017 foi um ano saboroso para o país. António
Costa parece que ainda não percebeu uma coisa essencial para se manter no
poder. Ele e o seu governo, em público, ou se mostram de luto, ou põem cara de
enterro, ou fazem-se de mortos.
sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
A tradição de direita
Diz o doutor Rio: "O PSD não é um partido de direita nem é a direita, é um partido social-democrata e a social-democracia é ao centro, não é à direita nem à esquerda." Em primeiro lugar, Rui Rio está
equivocado. A social-democracia sempre foi de esquerda. Que o antigo PPD se
tenha dado o nome do PSD, isso não passou de um mero expediente. A
social-democracia está ligada ao movimento operário e evoluiu de movimento
revolucionário para movimento reformista, sem deixar de ter essa relação com o
mundo do trabalho e dos sindicatos. Em segundo lugar, o centro pode ser
conquistado sem necessidade de recorrer à tradição social-democrata. Em muitos
países uma combinação de pensamento democrata-cristão e de pensamento liberal -
por vezes, mesclado com pensamento conservador - tem tido capacidade de
mobilizar o centro e fornecer alternativas de governo sólidas, muitas vezes
mais atraentes para o eleitorado do que as alternativas social-democratas. Já
era tempo em Portugal de nos deixarmos deste tipo de fogos de artifício.
Portugal já tem demasiados partidos social-democratas (do PS ao PCP, passando
pelo BE, todos têm programas de governação social-democratas). Não seria mau
para a democracia que a direita tivesse alguma solidez ideológica. A cada um a
sua tradição. E se a tradição da direita tem de ser inventada, ao menos que a
invente fora do território da esquerda.
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
Veneno e sangue
Na decisão de transferir a embaixada dos EUA, em Israel,
para Jerusalém, anunciada por Donald Trump, há duas coisas dignas de realce. Em
primeiro lugar, o desdém por uma das virtudes políticas essenciais, a
prudência. Em segundo lugar, o desprezo pelos sentimentos do mundo muçulmano,
como se este fosse uma actor político menor ou mesmo inexistente. Menosprezar a
prudência e dar razões para que o mundo muçulmano, sempre tão dividido, tenha
uma causa comum significa o quê? Cada semente que é lançada no solo da história
germina e acabará, mais tarde ou mais cedo, por ser árvore e dar frutos.
Raramente, os frutos que nascem nessas árvores são doces. Por norma, são
venenosos e sabem a sangue.
terça-feira, 5 de dezembro de 2017
Má memória
É muito curiosa a contínua referência, pela militância
social de direita, aos resgates feitos pelo FMI. A ideia que passa é que todos
os resgates se fizeram por causa da má governação da esquerda. Esquece, por
exemplo, que o resgate de 1983, feito pelo governo do bloco central, foi
antecedido por uma longa governação da direita. De Janeiro de 1980 a Junho
1983, três anos e meio, a Aliança Democrática governou o país, deixando-o à
beira do colapso e entrando numa crise política que, apesar da maioria na
Assembleia, leva à queda do governo e à ruptura entre PSD e CDS. Uma direita
com má memória.
domingo, 3 de dezembro de 2017
Desígnios
O dr. Santana Lopes, pessoa simpática e estimável, tem um
grande desígnio, o do desenvolvimento do interior. Um desígnio talvez tão
grande quanto era a paixão de António Guterres, outra pessoa simpática e
estimável, pela educação. Como todos sabemos, as paixões são coisas que dão
forte mas, felizmente, passam depressa. Ao fim de algumas paixões, até estas se tornam rotina e
cansaço. E desígnios, dr. Santana Lopes, são paixões que nem paixões chegam a
ser, por falta de energia. Seria melhor que o interior tivesse vontade e
iniciativa para se desenvolver e os drs. Santanas Lopes – onde se incluem os
candidatos do PSD e governantes do outro lado – poderiam estar mais tranquilos,
sem ter a necessidade da profecia ou da promessa, nem afectar paixões que o
corpo e o coração, por inadequação visível, não conseguem albergar.
sábado, 2 de dezembro de 2017
Como Deus
Na catequese, foi-me ensinado que Deus estava em toda parte
e cuidava de nós. Não se pode dizer que as provas empíricas fossem sólidas, mas
como essas proposições são matéria de fé, cada um fará com elas o que entender.
Hoje em dia, porém, podemos dizer que Marcelo Rebelo de Sousa está em toda a
parte. E há provas empíricas robustas. Foi visto num protesto de professores,
em homenagens fúnebres a Belmiro de Azevedo e a Zé Pedro, sobre os quais teceu agradáveis
palavras. Ainda teve tempo para ir ao Banco Alimentar, salvo erro, e para
emitir opinião sobre a magna quaestio
de Mário Centeno ir ou não para chefe do Eurogrupo. Não sei se, como Deus,
Rebelo de Sousa cuida de nós, mas, como Ele, está em toda a parte. E nem ao
sétimo dia descansa.
sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
1.º de Dezembro
Gosto de feriado do 1.º de Dezembro. Isto não significa que
não goste de Espanha. Gosto e muito, mas gosto mais de não ser espanhol.
Prefiro os defeitos dos portugueses aos defeitos dos castelhanos. Talvez seja
por estar habituado a esses defeitos, mas a verdade é que os nossos, apesar de
contra eles protestarmos todos os dias, há muito que não nos dão uma guerra
civil, nem sustentam uma cáfila de senhoritos a fingir que têm voz grossa, como
se tem vista do outro lado da fronteira com o triste caso da Catalunha. Por
isso, estou obrigado perante os conjurados e o golpe ilegal do 1.º Dezembro, o
qual pôs as coisas no devido lugar.
quinta-feira, 30 de novembro de 2017
Mário Centeno
Ainda não consegui perceber o entusiasmo com a putativa ida
de Mário Centeno para a liderança do Eurogrupo. Se até Jeroen Dijsselbloem
conseguiu lá chegar, por que motivo um doutorado por Harvard há-de regozijar-se
por tal hipótese? Depois, um português chegar a um cargo desses na UE é tão
natural como um algarvio ou um ribatejano chegarem a ministros da República.
Isso é motivo de excitação? Esta gente não tem mais nada para fazer?
quarta-feira, 29 de novembro de 2017
Ramalho Eanes
Hoje foi lançada uma biografia autorizada de Ramalho Eanes.
Tenho uma apreciação globalmente positiva da sua acção política. Contudo, nem
tudo foi luminoso. A história do PRD parece-me uma nódoa no currículo que ele
deveria ter evitado. Exceptuando isso, não teria sido mau para a democracia
portuguesa que as elites políticas que tomaram conta do país tivessem o
respeito que o general sempre evidenciou pela res publica e pelos interesses do país. Hoje Portugal estaria
francamente melhor e teria, apesar das vicissitudes internacionais, evitado a
aventura da troika. E não há maior
homenagem que um cidadão possa prestar a um antigo governante do que apontá-lo
como exemplo cívico. Um dos grandes da nossa democracia.
terça-feira, 28 de novembro de 2017
Crony capitalism
Ver o arrufo entre o governo e o BE, sobre as rendas da EDP,
como um problema interno das esquerdas é querer tapar o sol com a peneira.
Independentemente do acerto da solução proposta pelo BE, o que ficou claro,
mais uma vez, é a impotência, para não dizer cumplicidade, dos partidos do arco
governativo perante os grandes interesses. O hooliganismo político que grassa
nas redes sociais entretém-se muito com a divisão entre direita e esquerda. Na
verdade, em Portugal, como em muitos outros países ocidentais, essa divisão é,
na prática, fictícia. Governe a direita ou governe a esquerda, quem manda são
os mesmos. Antes de haver espaço para um verdadeiro confronto entre projectos
de direita e de esquerda é necessário limpar o terreno deste inaceitável
conúbio entre política e interesses económicos. Só a partir dessa limpeza faz
sentido discutir se a sociedade deve ser mais liberal ou mais social-democrata.
Até lá, não passa de um crony capitalism,
como se tornou a ver neste arrufo.
sábado, 25 de novembro de 2017
Cansativo
Não me comovem os ataques que a direita faz a esta iniciativa (ver aqui). Isto, ou coisa semelhante, é uma parolice que um qualquer governo
de direita seria capaz de fazer. A parolice está democraticamente distribuída.
O que não me deixa de espantar, contudo, é a insistência de António Costa, nos
últimos tempos, em coisas estúpidas, sem qualquer benefício político e que têm
o condão de dar assunto à oposição para fazer um drama. Do ponto de vista do
cidadão, estas coisas são inadmissíveis. A oposição faz o seu papel e ainda
bem. Há contudo, um outro problema. É uma certa cultura de novo-rico que se
instalou nas elites governantes. Estão tão extasiadas com o terem chegado ao
poder, que, ao assumi-lo, o cérebro fica toldado e acham que tudo é possível.
Eu não sou favorável ao Estado mínimo, mas sou um adepto do Estado frugal.
Gastar apenas no que é estritamente necessário e depois de grande ponderação. O
António Costa não arranja pessoas normais e sensatas que o aconselhem? Por
exemplo, alguém que perceba as consequências políticas negativas de cada uma
das ideias geniais que afloram naquelas cabeças. Isto está a tornar-se
cansativo.
sexta-feira, 24 de novembro de 2017
Um problema
O Islão é um problema. Não porque todos os adeptos dessa
religião sejam terroristas ou queiram impor a sua religião a outros, mas porque
existem grupos militantes que estão dispostos a tudo, mesmo a matar outros
adeptos do Islão. Neste momento, o Islão militante é o principal problema do
mundo. O assassinato, no Egipto, de fiéis sufi
é revelador (ver aqui). Os sufi, um ramo
espiritual do Islão, pela natureza da sua prática religiosa são os que estão
mais abertos à aceitação da diferença e à tolerância. Para o Islão militante
não há tolerância possível. A morte é a única lei que os rege. Se isto não é um
problema, o que é um problema?
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
O pescoço a jeito
Os tempos não correm de feição a António Costa e ele também
não ajuda. Tancos, os incêndios, a legionella. A lei de Murphy tomou-o de ponta
e, como se sabe, qualquer coisa que possa ocorrer mal, ocorrerá mal,
no pior momento possível. E assim se tem cumprido. Por outro lado, les compagnons de route estão apostados
em que a route regional não se transforme em auto-estrada, e vão
de criar uns quantos problemas ali mesmo onde a coisa dói, isto é, na função
pública. Com o Murphy e os compagnons
indispostos, o próprio António Costa e o governo decidiram pôr o pescoço a
jeito. Não bastava a desorientação na segunda vaga de incêndios, como agora
fazem, nem Deus sabe porquê, transferências avulsas como o Infarmed. Ainda não
perceberam que, nas actuais circunstâncias, o melhor que o governo deve fazer é
fazer-se de morto. Houve um momento em que parecia que havia ali alguém que
pensava, mas ou reformou-se, ou emigrou para a Europa.
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
Agência Europeia do Medicamento
Quando se colocou a questão da transferência da Agência
Europeia do Medicamento para fora do Reino Unido, devido ao Brexit, falou-se de
Lisboa e das possibilidades que ela teria de ser escolhida. Isso desencadeou,
em Portugal, uma campanha contra a candidatura de Lisboa. O governo, que tinha
a obrigação de saber que o peso de uma candidatura do Porto era muito menor que
o da candidatura de Lisboa, em vez de ser firme na sua intenção, cedeu ao
vociferar de Rui Moreira. O resultado é que a agência irá ou para Milão, ou
para Amesterdão, ou para Copenhaga (ver aqui). Como se percebe ficámos todos a ganhar.
domingo, 19 de novembro de 2017
A vociferação
Com a questão das progressões na carreira pelos professores,
a esquerda enrolou-se sobre si mesma e, se não houver um módico de inteligência,
está a preparar o caminho para o retorno em força da direita. Mesmo que o
acordo entre governo e sindicatos de professores seja uma mão cheia de nada e
outra de coisa nenhuma, a vociferação de outros corpos da função pública representa
um desgaste político contínuo para a actual solução governativa, desgaste que
parece não ter fim à vista. O que se está a passar mostra os limites ideológicos
dos grupos políticos que apoiam a actual situação. Por um lado, os partidos que
estão fora do governo, continuam presos a lógicas particulares, incapazes de
olharem para o país como um todo que tem de viver num ambiente que não
determina e que é altamente ameaçador. Por outro, o partido do governo,
dividido entre a responsabilidade perante a União Europeia, a falta de uma
legitimidade política inequívoca e a leviandade que, desde há muito, é imagem
de marca dos socialistas, mostra-se atarantado, sem saber que rumo tomar. A
esquerda parece que ainda não percebeu que os grande problemas do país não são
os rendimentos dos professores, dos médicos, dos militares ou da função pública
em geral. E se não percebeu isso, não percebeu nada. A esquerda tem tido tudo
na mão. Se falhar, não se pode queixar a não ser de si mesma. E se ela falhar,
serão os seus eleitores, e não as elites políticas de esquerda, que pagarão
duramente o falhanço.
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
Um paternalismo perigoso
Há dias referi que o papel de provedor do cidadão que
Marcelo Rebelo de Sousa tem feito é útil. Referia-me a casos como os de Tancos
ou da Legionella. Nestes e noutros semelhantes, isso é aceitável e benéfico.
Outra coisa é comentar todas as decisões políticas do governo. As que lhe
agradam ou as que lhe desagradam. Na prática, está a desenhar um paternalismo,
em relação à governação, à oposição e aos cidadãos, que não é compatível com
uma democracia liberal. Este paternalismo assenta numa coisa perigosa para a
cidadania e para a democracia: a ideia de que a posição do PR é a verdade sobre
um determinado assunto. Isso é aniquilar a democracia. Imaginemos que, no caso do prolongamento até 23 de Novembro do período crítico de incêndios, a decisão
do governo gerava discórdia na oposição. O comentário de Marcelo Rebelo de
Sousa aniquilaria de imediato o debate político e o papel da oposição.
Condicionaria também a opinião dos cidadãos. Isto é perigoso.
quarta-feira, 15 de novembro de 2017
O provedor
Para lá do estilo, pelo qual não tenho particular admiração,
e da visão ideológica que tem do mundo, que também não partilho, este trabalho
de provedor do cidadão, que Marcelo Rebelo de Sousa está a fazer, é meritório.
À sua maneira, um pouco histriónica, tenta colmatar alguns défices da nossa
democracia. Por exemplo, a contínua tentação das elites governantes em não
prestar contas, em deixar tudo o que é desagradável morrer como se não tivesse
acontecido nada. Um Presidente da República não é um provedor do cidadão.
Contudo, numa democracia como a nossa, onde a herança do autoritarismo aparece
nos lugares mais insuspeitos, o papel não é inútil e acaba por proteger o
regime de algumas tentações.
domingo, 12 de novembro de 2017
Debate político
O debate político em Portugal é miserável. Está cheio de
casos, uns graves, outros anedóticos. Mas sempre e só casos. A nossa política
não passa de uma casuística insana. Poder-se-ia pensar que isso se deve ao
ardil dos políticos que fogem, para não perder votos, dos assuntos sérios como
o diabo da cruz. Mera ilusão. A casuística e o anedotário, conjugados com a
tonalidade da indignação, são as únicas ferramentas que a generalidade dispõe
para arremessar ao outro lado. Um debate sério exige muito conhecimento, muito
estudo e muito esforço. Ora, quem está disponível para tanta perda de energia?
sábado, 11 de novembro de 2017
Perguntem ao Putin
Nem percebo como isto não ocorreu aos responsáveis pela
investigação da alegada interferência russa nas eleições americanas, que teria
tido por finalidade eleger Donald Trump. Em vez de perderem tempo e dinheiro em
investigação, perguntavam: Sr. Presidente, acha que os russos interferiram nas
eleições a seu favor? Trump responderia: olhe, pergunte ao Putin. Ele dir-lhe-á
a verdade e fica tudo resolvido. Não há nada como perguntar ao Putin (ver aqui)).
sexta-feira, 10 de novembro de 2017
Vichyssoise
Há coisas que nem Marcelo Rebelo de Sousa pode dizer. Todos
sabemos que ele é muito afectuoso, nada num mar de ternuras e inclinações, e
que lhe foge a retórica para a divagação familiar. Aquilo que, todavia, nem ao
tinhoso do belzebu lembra, lembra ao actual Presidente da República.
Entusiasma-se, entusiasma-se, e lá deixa sair alguma coisa que ou está
escondida no recôndito da alma ou em que ele acredita como acreditava na vichyssoise que vendeu a Paulo Portas.
Pródigo tanto no ditirambo como no encómio, perante a figura da esposa do
Professor Aníbal Silva, não se conteve e nomeou-a, a posteriori, madrinha dos portugueses, pelo menos durante 20 anos. Temo
que, se for convidado para alguma homenagem à senhora Lurdes Rodrigues, aquela
que pastoreou os professores, no tempo do senhor Sócrates, ainda a designe como
a mãe dos professores portugueses, se não mesmo o seu anjo protector. Às vezes,
era melhor que o Presidente em vez de abrir a boca para falar fosse para
introduzir uma colher de vichyssoise.
quinta-feira, 9 de novembro de 2017
O desvelo
Confesso que o ministro Rodrigues, o rapaz que, segundo o
organograma (nem sei onde foram inventar esta espécie de palavra)
governamental, ocupa a pasta de Educação, embora tenha ouvido dizer que não
passa de um heterónimo do secretário de Estado Costa, confesso, dizia eu, que
ele não me interessa para nada. Não partilho a sua visão da educação (caso a
actual visão seja a dele), não porque esteja em abstracto errada, não está, mas
por outros motivos que não vêm ao caso. Fico, porém, perplexo pelo súbito desvelo
de Assunção Cristas para com os professores e o ataque ao ministro, por este
teimar numa ideia que o governo, onde a senhora pastoreou a Agricultura, pôs em
prática com grande determinação e não pouca rispidez (ver aqui).
quarta-feira, 8 de novembro de 2017
Pressões
Enfermeiros, médicos, juízes e, agora, professores. O êxito
de António Costa está a transformar-se nos ingredientes que começam a cavar a
sua derrota e com ele a da esquerda. As contas de Mário Centeno têm feito
milagres, mas o milagre só pode persistir dentro da frugalidade e da contenção
da despesa. Depois dos fogos, esta pressão sobre o orçamento, a que se aliará a
eleição de um novo chefe da oposição, começam a abrir caminho para o retorno da
direita ao poder, mais depressa do que se pensa. Percebe-se que enfermeiros,
médicos e juízes façam o que estão a fazer. São intocáveis, seja qual for o
governo. Quanto aos professores, parece que ainda não perceberam o que lhes vai
acontecer quando a direita voltar ao poder. Já se esqueceram dos últimos tempos
do Crato.
terça-feira, 7 de novembro de 2017
Revolução bolchevique
O que dizer dos 100 anos da tomada de poder pelos
bolcheviques russos? A muita gente ocorrerá grandes encómios, a muita outra
ferozes censuras. A mim ocorre-me que a facilidade com que os comunistas russos
tomaram o Palácio de Inverno é idêntica àquela com que saíram de lá. O mundo nunca
deixa de surpreender.
domingo, 5 de novembro de 2017
O fastio e o enjoo
Por desfastio, alguém nos EUA lembrou-se de descarregar uma
arma para entro de uma Igreja Baptista. Vinte e sete mortos. Também para não
enjoar, foram encontrados investimentos, em offshores, da rainha Isabel II e de
alguém ligado à administração Trump. Como se vê, há múltiplas e criativas
formas de combater o fastio e o enjoo. Sob o Sol - ou a Lua - nada de novo.
Talvez, ao contrário do que que pensava o velho William, não haja mais coisas
entre o céu e a terra do aquilo que pode imaginar nossa vã filosofia. Talvez
não. O pior, porém, é o fastio e o enjoo.
sábado, 4 de novembro de 2017
Ferramentas
O processo de dessacralização das sociedades ocidentais foi
acompanhado por um processo de sacralização das ideologias políticas. Esquerda
e Direita são vistas, pelos respectivos adeptos, como espaços sagrados, nos
quais cabem, por certo, diversos credos e diferentes liturgias. Uma leitura
racional da dicotomia política mostra-nos, porém, que Direita e Esquerda são
meras ferramentas que certas sociedades, como um todo, usam com a finalidade da
autopreservação e da persistência no tempo.
O carácter sacral desses espaços devia chamar a atenção, de quem olha
racionalmente a questão política, para o investimento que a espécie faz, em
certo tipo de sociedades, nessa organização dicotómica. A sua sacralização não
é outra coisa senão a criação de uma ilusão que visa preservar essas
ferramentas. No entanto, essa ilusão revela uma outra coisa.
Direita e Esquerda não têm, por si mesmas, qualquer valor intrínseco. O seu
valor é meramente instrumental. São ferramentas que os cidadãos, enquanto comunidade,
usam para regular a sua vida comum. Talvez a maior parte dos cidadãos necessite
da ilusão, necessite de perceber na Direita ou na Esquerda um valor sagrado. Se
queremos, porém, pensar o fenómeno político, devemos deixar de lado a ilusão e
olhar Esquerda e Direita como o esquadro ou o formão dos carpinteiros. Meras
ferramentas a usar.
sexta-feira, 3 de novembro de 2017
Jerónimo de Sousa
Não estará longe o dia em que o PCP terá de substituir
Jerónimo de Sousa à frente do partido. Não será um pequeno problema. É verdade que
os comunistas vivem fixados na imagem do Dr. Álvaro Cunhal, a quem, talvez para
sublinhar uma proximidade que nunca existiu, chamam apenas Álvaro. No
entanto, Cunhal que nem dos comunistas foi próximo, pelas suas
características psicológicas, pelo seu ar aristocrático e distante, pela sua
preparação política e pela sua inteligência penetrante, sempre foi um estranho –
por vezes, um inimigo – para a generalidade dos portugueses não comunistas.
Jerónimo de Sousa, não ostentando as capacidades de Cunhal, conseguiu
estabelecer uma relação normal do Partido Comunista com o país. A afabilidade,
a honestidade e a humildade do actual secretário geral dos comunistas foram
essenciais não apenas para que o PCP fosse olhado de forma mais benevolente
pelos portugueses não comunistas, como se tornasse um partido com real
influência na governação do país. Todos sabemos que o fim da URSS contribuiu, e
muito, para isso, mas a figura de Jerónimo de Sousa foi fulcral para uma
subtil, mas decisiva, mudança da imagem dos comunistas portugueses. Substituir
o antigo operário não vai ser fácil.
quinta-feira, 2 de novembro de 2017
A emenda e o soneto
A situação em Espanha, devido à Catalunha, agrava-se a cada
lance. E não é fácil. De facto, estes presos são presos políticos (ver aqui). Cometeram um
crime contra a ordem constitucional, é verdade (mas podem argumentar que
Gandhi, Mandela, os Timorenses de Leste, por exemplo, cometeram crimes contra
as ordens constitucionais em que viviam), mas não houve qualquer violência,
qualquer delito comum (sim, eu sei que são acusados de peculato, mas isso é
ainda uma acusação política). Se se confirmar aquilo que parece ser neste
momento a tendência das sondagens (crescimento do independentismo, segundo o La
Vanguardia), o que vai Espanha fazer? Se um novo governo pró-independência
declarar mais uma vez de forma unilateral a independência, o que faz Madrid?
Activa o artigo 155 de novo? Manda prender os novos dirigentes e convoca novas
eleições? A jogada de Rajoy pareceu inteligente pela rapidez, mas é um grande
risco. E estas prisões - no âmbito da lei em vigor, diga-se - podem ser, para
os interesses de Madrid, uma emenda pior que soneto.
terça-feira, 31 de outubro de 2017
A boca fechada
Há coisas que me escapam, confesso. Por exemplo, deixar a
língua à solta quando se faz política. Numa democracia, por incipiente que
seja, qualquer coisa que seja dita é escrutinada até mais não poder. Rui Rio
podia muito bem dizer que com ele as contas do Estado seriam rigorosas. Isso é
uma coisa, outra é dizer que faria tal como Maria Luís Albuquerque ou pior. Percebe-se
que Rio precise de mostrar-se diferente de Santana Lopes, o qual, segundo
palavras do próprio, não vive com a obsessão do défice (claro que não, todos sabemos que não). No entanto,
não é necessário, mesmo para dentro do seu partido, fazer juras de amor por uma
política que conduziu à saída do poder. Esta sobranceria não leva a lado
nenhum. Não passa de uma bravata inútil e pateta. Para um político, qualquer
coisa que possa pôr em causa o seu caminho para o poder é uma irracionalidade.
Há pessoas – por norma vão para a política – que ganhariam muito se nunca
abrissem a boca. Como seriam convincentes.
domingo, 29 de outubro de 2017
Liberdade para escolher
Como todos sabemos, os sistemas concorrenciais têm vantagem
sobre os sistemas não concorrenciais, menos em Portugal onde a concorrência
concorre para que tudo seja menos concorrencial. É assim na política, na religião,
na moral e até na economia. Descobri, porém, que noutras áreas de pendor mais
científico a concorrência também é benéfica para os consumidores. Falo a sério.
Um exemplo, pedirá um leitor mais extemporâneo. E eu respondo: na meteorologia.
A concorrência meteorológica é excelente e presta-nos a todos um grande
serviço. Descobri que as previsões do Instituto Português do Mar e da Atmosfera
(IPMA) são sempre cerca de 2 a 3 graus mais elevadas do que as do Meteoblue. Quando
o constatei, imaginei logo que o Milton Friedman estava certo. Como não suporto
o calor, olho para as previsões do IPMA, rio-me a bandeiras despregadas, e
passo, de imediato e impante, para as do Meteoblue, que recolho embevecido e
obrigado. Não há nada como a liberdade para escolher.
A revolução catalã
No último lustro do anos noventa do século passado, assisti,
no ISCTE, num seminário da responsabilidade de Maria Carrilho, a um conjunto de
conferências. Uma delas foi dada por um catalão, professor em Harvard, cujo
nome acabei por esquecer. Recordo-me, porém, de ele ter dito que o problema da
independência da Catalunha, com a adesão à CEE, deixara de se colocar. Não
fazia sentido, agora que o Estado-Nação estava a perder força para as
estruturas supranacionais e para as regionais, trazer para a agenda a questão independentista.
A sociedade catalã sentia-se bem com as perspectivas que se lhe abriam, de uma
autonomia cada vez mais alargada, com uma relação cada vez mais chegada a
Bruxelas do que a Madrid.
Duvidei e acabei por perguntar pela situação na educação.
Foi-me dito, tanto quanto me lembro, que aí o sentimento era diferente. Língua
catalã, história da Catalunha, cultura catalã e um apagamento progressivo da
língua, história e cultura espanholas. Isto reforçou a minha dúvida. É nos
aspectos simbólicos que reside a força de qualquer independentismo. Por vezes,
as questões económicas disfarçam-no, mas mal há uma crise – e ainda por cima se
essa crise é reforçada pela inabilidade política e os tiques nacionalistas de
Madrid e pelo aventureirismo da elite política nacionalista catalã – as coisas
têm todas as possibilidades de dar para o torto, como estamos a assistir, nesta
revolta do nacionalismo catalão.
Uma revolta, aliás, que traz uma novidade como salientava
ontem Jorge Almeida Fernandes, no Público, ao citar o historiador francês Benoît
Pellistrand, que se questionava se não estávamos perante a primeira revolução
contra uma democracia liberal. Este aspecto tem sido muito pouco salientado,
mas na verdade aquilo a que assistimos é ao confronto de uma paixão
nacionalista com a ordem demo-liberal existente em Espanha. E o grande perigo
de toda esta história é que a paixão nacionalista catalã acabe por acordar a
sombria paixão nacionalista espanhola. Portugal nada tem a ganhar com o assunto
e muito menos com o confronto dos nacionalismos do vizinho do lado. E isto não
só por causa da economia, mas também da política. As ondas de choque deste tipo
de confrontos costumam não respeitar os marcos que traçam as fronteiras.
sábado, 28 de outubro de 2017
Obsessões
Na candidatura de Santana Lopes à liderança do PSD há
qualquer coisa de estranho. Um sentimento de desadequação ou de
intempestividade. Isto não tem nada de pessoal ou, sequer, de ideológico. Simpatizo
com a personagem, parece-me um bom tipo, embora não vote na sua área política. Olha-se
para ele e percebe-se que pertence a um tempo que já passou. Veja-se, por
exemplo, a afirmação “não sou candidato por obsessão por défice zero”. Agora
que a esquerda, de forma assumida ou encapotada, se interessa vivamente pela
redução do défice e por ter as contas do Estado em ordem, é estranho ouvir um
candidato a líder do PSD dizer que não tem obsessão pelo défice. O problema não
é da obsessão. Ninguém tem obsessão por défice zero, nem mesmo Passos Coelho
teria. O problema é que, se a situação internacional descambar, talvez seja
melhor ter as contas em ordem do que não as ter. Na verdade, Santana Lopes faz
parte de uma geração de políticos em que o dinheiro do Estado compra a eleição.
Não é só ele e não é só no PSD, claro. No PS, são multidão. Ora, esse tempo
acabou. O melhor, mesmo sem obsessões, é compreender que o Estado deve ser
frugal. Frugal não quer dizer mínimo. Quer dizer que deve gerir os dinheiros
públicos com respeito e parcimónia, sem descurar as suas funções políticas e
sociais.
sexta-feira, 27 de outubro de 2017
Como no Netflix
É
como numa série do Netflix. Estas palavras de um jovem apoiante da
independência da Catalunha reflectem o carácter ficcional da proclamação da
independência. Todos gostam da série mas ninguém acredita que ela seja a
realidade.
http://www.lavanguardia.com/politica/20171027/432388315761/independentistas-parlament-catalunya.html
Argumentos esmagadores
Portugal, através de alguns esforçados militantes das
redes sociais, deu um precioso contributo para a teoria da argumentação
política. Dois esmagadores argumentos são agora apresentados nos debates online
e com os quais qualquer tese fica de imediato demonstrada. E que
extraordinários argumentos são esses que, mal pronunciados, tornam manifesto
que quem os utiliza está na verdade? Quais são essas evidências que deixam a
evidência cartesiana à beira de um ataque de nervos. Na verdade, não são dois,
mas um formulado de dupla maneira. Eu sei que o leitor está desejoso de
enriquecer o seu baú dos argumentos, os quais hão-de ajudá-lo a pôr de rastos
os seus adversários políticos. Calma, a espera recompensa. Alguém diz alguma
coisa – por exemplo, os tipos do governo são todos uns corruptos ou o pessoal
de teu partido está a preparar-se para meter a mão no pote – e demonstra-a, de
imediato, com um troante “E mais não digo!”. O adversário ajoelha, sem fôlego.
Esta é a versão discursiva do argumento. Há também uma versão topológica.
Depois de enunciada uma qualquer tese, por norma idêntica às anteriores, o
excelso retor fulmina o adversário com o poderoso argumento: “E por aqui me
fico!”. Não imagina o leitor, como o adversário fica siderado com um “E mais
não digo!”. Fica em profundo silêncio hesitando se se há-de
converter ou cometer hara-kiri. E perante o poderoso “E por aqui me fico!”, o
que pode acontecer? Consta que, perante a evidência do argumento adversário, há
pessoas que se atiram para dentro de poços ou da janela de um qualquer quinto
andar. “E por aqui me fico!”. Portugal entrou para história da retórica
política. “E mais não digo!”
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
Esperar sentado
Parece que um dirigente obscuro do PS, no jornal da agremiação,
se atirou ao Presidente da República, como gato a bofe. Continuo a não
compreender o grau de amadorismo que tomou conta dos socialistas. Pensava que
por lá existia quem soubesse, em primeiro lugar, ler os sinais e, depois, quem
tomasse conta dos impulsos para evitar mais estragos. Se alguém, no PS, julga
que tem a mínima possibilidade de impor, na opinião pública, uma narrativa
diferente da de Marcelo Rebelo de Sousa sobre as calamidades que nos atingiram,
então espere sentado. O PS está naquele momento – que, se tiver muito juízo, pode
ser transitório – que o melhor é fazer-se de morto. Se acha que o caminho é
abrir uma frente de guerra com o Presidente, então parece mesmo aqueles ratos
que se vão colocar na boca do gato. Ninguém põe ordem na casa?
terça-feira, 24 de outubro de 2017
Política pura e dura
Há pessoas que gostam de Marcelo Rebelo de Sousa por causa
dos afectos e outras que o detestam por isso mesmo. Há quem não goste dele
porque não faz o jogo da direita e outros porque deixou de fazer o da esquerda.
Todos estes sentimentos são, contudo, irrelevantes. Estas ondas de afectos que,
desde o início do mandato, marcam a atitude do PR são actos políticos e actos
muito importantes. Haverá sempre quem diga que fazem parte da estratégia de
reeleição. Por certo que sim, mas têm um papel central na democracia
portuguesa. Cobrem um espaço político a que os partidos não chegam e que pode
ser ocupado por um qualquer populismo que a desgraça traga. Marcelo põe dentro
do regime aqueles que dele se foram perdendo. Ele é o pastor que não quer que
nenhuma ovelha se tresmalhe. E este papel, reconheça-se, é fundamental para a
saúde da democracia, ao tornar visível o que era invisível, obriga que os
poderes eleitos tenham em consideração essa multidão de esquecidos que existe
país fora. Isto é política pura e dura - uma boa política - e não efusão
sentimental.
sexta-feira, 20 de outubro de 2017
A grande coligação
Depois da trágica saga dos fogos, parece que ainda não se
percebeu nada, rigorosamente nada. Nem à esquerda, nem à direita, nem nos
independentes, nem nos apolíticos. O problema não é da prevenção, nem do
combate, nem da floresta, nem da ordenação do território, nem da
desertificação. Tudo isso é problemático, muito problemático, mas o principal
problema não está aí. Está na leviandade que tomou conta de tudo, de todas as
instituições. Raramente se leva alguma coisa a sério. Raramente há
autoridade política. Raramente há pensamento sério. Tudo é, neste país,
circunstancial. Tudo é uma encenação medíocre para que os medíocres,
independentemente da cor do governo, governem. As instituições promovem
medíocres. E, como se sabe, a má moeda expulsa a boa. Os medíocres conspiram,
protegem-se, tornam a vida insuportável aos que tentam pôr um pouco de ordem e
de sensatez nas instituições. Os medíocres apropriaram-se dos partidos e
constituem agora uma verdadeira coligação que governa Portugal. Esta coligação
não é de esquerda, nem de direita. Ela é de todas as cores. Os governos caem,
mas a coligação mantém-se e governa o país. É inexorável. Liquida quem mostre o
mais leve resquício de talento. Quando se fala em meritocracia em Portugal
dá-me vontade de rir. Um país entregue à estupidez manhosa, à impreparação, ao
compadrio dos medíocres. Um país onde se cultiva estultícia para se colher
desgraça. Esse é o grande problema. Tudo isto é muito, muito cansativo.
quinta-feira, 19 de outubro de 2017
Hooliganismo político
As redes sociais são um lugar interessante para observar o
hooliganismo político, tal como o descreve Jason Brennan. Em linhas gerais,
podemos descrever o hooliganismo político como um interesse vivo pela política
marcado pela incapacidade de, falando à maneira kantiana, se colocar no lugar
do outro e conseguir perceber e explicar as crenças desse outro. Olhando para
as redes sociais, a generalidade dos que se exprimem sobre questões políticas
são, na verdade, hooligans. Há excepções, mas diminutas. Há hooligans de
direita e hooligans de esquerda. Em ambas as facções, há hooligans mais amenos
e hooligans mais exaltados. Uma das coisas mais curiosas é perceber a diferença
entre os exaltadas hooligans de esquerda e os exaltados hooligans de direita. A
exaltação dos hooligans de esquerda é sempre mais ideológica. Fazem acusações
aos políticos do outro lado com epítetos marcadamente políticos. Estes epítetos
políticos são atirados, claro, para desqualificar as pessoas a quem são
dirigidos. Já o hooliganismo de direita usa menos epítetos políticos e mais
ataques ao carácter dos políticos adversários. Tudo isto, claro, é uma
tendência, pois encontramos os dois tipos de ataque em ambos os lados. O
hooliganismo de esquerda ataca politicamente para rebaixar a pessoa. O
hooliganismo de direita ataca a pessoa para a rebaixar politicamente.
Complementam-se.
quarta-feira, 18 de outubro de 2017
O abandono
Decididamente, a Tykhe (a Fortuna, para os Romanos)
abandonou António Costa. Não lhe fechou a boca há dias e agora, pior, não lhe
iluminou as escolhas. Depois de o ter adulado, a deusa decidiu perdê-lo.
Políbio, o geógrafo e historiador grego do século II aC, homem que sabia destas
coisas, tinha por certo que sempre que as causas de certos eventos naturais
fossem obscuras, era justificado atribuí-las à deusa. A velha rameira volúvel
oferece o seio aos homens e, ainda eles não saborearam o prazer da conquista,
já ela congemina, sem explicação nem piedade, a cegueira e o plano que os há-de
levar à queda. Não acreditam, pois não? E já repararam no tom oracular do PCP?
Não, os comunistas não vão derrubar o governo, mas já sabem o que vem aí. Andam
nisto há muito.
terça-feira, 17 de outubro de 2017
Ponto da situação
Eu não sei se as pessoas que apoiam a actual solução
governativa - e eu sou das que apoia - já perceberam a situação. A Assembleia
não é dissolvida pura e simplesmente porque o PSD está sem liderança. E se
houvesse dissolução da Assembleia, a esquerda de pouco se poderia queixar. O PS
não deixou de ser o que era, uma das traves que, juntamente com o PSD e o CDS,
levaram o país aonde está. O PCP e o BE, que poderiam ter tido uma função regeneradora
e limitadora dos velhos hábitos do PS, limitaram-se a ficar de fora a discutir
a mercearia (eu sei a mercearia é importante). Tirando os assuntos de mercearia
(torno a dizer que sei que a mercearia tem a sua importância), deram carta
branca ao PS. Para dizer a verdade, acho que os pressupostos que criaram esta
solução governativa arderam nos fogos de domingo. Não basta mudar uma ministra.
Talvez - mas aqui não tenho qualquer certeza - a esquerda, tendo em conta
situação do PSD, ainda tenha uma oportunidade de regenerar a sua solução de
poder, mas muita coisa terá de mudar e mudar drasticamente. Se não, a
legislatura não chega ao fim.
Um jogo
O espectáculo, embora triste, não deixa de ser interessante.
Entrámos em plena intifada. As partes, armadas de pedras, ululam e
arremessam-nas sobre o lado contrário. Uns estão mais defensivos, nos outros
subiu a adrenalina. Uns indignam-se pelo que não foi feito no passado; os
outros, pelo que não foi feito no presente. Os que se indignam pelo passado são
cegos para o presente. Os que se indignam pelo presente são cegos para o
passado. O espírito exaltado que pastoreou a primeira República está, mais uma
vez, à solta. Uns pensam: agora é que damos cabo deles, carregue-se fundo; os
outros cogitam: há que aguentar o embate até que a maré vire. Nada disto tem a
ver com as mortes, nem com a floresta, nem com o país. É um velho ódio que
começou bem antes da primeira República. Talvez tenha começado com D. Miguel e
D. Pedro, ou, o mais certo, ainda antes, com o Pombal e os Távoras. É um jogo.
Disputa-se, pedras na mão, quem fica no lugar do Marquês e aqueles que se hão-de
queixar de um azar dos Távoras. Não há assassinatos porque passou de moda. O
resto? Pouco interessa, até porque as partes são o espelho uma da outra.
segunda-feira, 16 de outubro de 2017
Formações
A formação do cidadão deveria começar com a leitura do
capítulo VIII, do primeiro livro de Samuel. Está lá tudo sobre o nosso desejo
de sujeição e aquilo a que nos sujeitamos. A formação do político, antes de se
passar para Maquiavel, começaria com a tragédia grega. Com Agamémnon, de
Ésquilo, e Édipo Rei, de Sófocles. Como são instrutivas. Ao vitorioso
Agamémnon, ao chegar ao lar vindo de Tróia, esperava a morte. Não melhor
destino, pois mais doloroso, coube ao sagaz Édipo. Como teria sido instrutivo
António Costa ter faltado a umas reuniões da juventude partidária para meditar
tais tragédias. A Tykhe é uma deusa
muito volúvel.
Boca fechada
Hoje, na minha aula de Ciência Política, passei um
documentário sobre O Príncipe, de
Nicolau Maquiavel. Se soubesse o que António Costa ia dizer sobre os incêndios,
bem como a ministra Constança e o secretário de Estado, cujo nome esqueci,
tê-los-ia convidado a assistir ao documentário. Talvez mantivessem a boca
fechada.
sábado, 14 de outubro de 2017
Avante, camaradas PSD
O melhor deste manifesto que parece que anda por aí a
entusiasmar parte da militância PPD/PSD é a citação em epígrafe. De quem? De
Jacques Rancière.
E quem é Jacques Rancière? Um filósofo francês que escreveu
coisas como estas: «A única herança comunista que vale a pena examinar é aquele
que nos é oferecida pela multiplicidade de formas de experimentação da
capacidade de qualquer um, hoje como ontem. A única inteligência comunista é a
inteligência colectiva construída através dessas experiências.»
Mas, dirá o leitor, ele, na citação fala de democracia. Pois
fala. Então aqui fica o esclarecimento: «Devemos simplesmente chamá-lo (ao
futuro da emancipação) de "democracia"? Existe uma vantagem em
chamá-lo de "comunismo"? Vejo três razões para esse sobrenome. A primeira
é que enfatiza o princípio da unidade e da igualdade das inteligências. O
segundo é que enfatiza o aspecto afirmativo inerente à colectivização deste
princípio. O terceiro é que indica a capacidade de auto-superação inerente a
este processo, o seu infinito que implica a possibilidade de inventar futuros
que ainda não são imagináveis.» [Para Rancière ver aqui.]
Não tarda, o pessoal do PSD anda por aí a cantar a
Internacional. Avante, camaradas.
Perspectivismos
Eu não vi a entrevista de Sócrates à RTP. Há coisas que, se
posso, evito. Contudo, o facebook é muito generoso. Apesar da generosidade,
deixa-me confuso. Por exemplo, pelo que já li, de diversos autorias, o
entrevistador foi demasiado educado e brando, e, ao mesmo tempo, segundo outras
autorias, foi demasiado agressivo. Como se vê, o Kuhn tinha razão. O que para
uns é um pato, para outros é um coelho (esta não é um indirecta).
terça-feira, 10 de outubro de 2017
Os passos do secessionismo
Os secessionistas catalães ganharam alguma coisa com este
processo? Do ponto de vista dos objectivos políticos explícitos, eles não
ganharam nada e, a curto prazo, não ganharão nada. Há, contudo, uma coisa que
conseguiram: tornaram patente - até por contraste com o Reino Unido e o caso da
Escócia - a existência de um bloqueio não-democrático da constituição
espanhola. Tornaram visível que o regime espanhol não permite sequer aos
catalães - ou a outros - dizer se querem continuar casados com o resto de Espanha.
O que fica manifesto, por ausência de possibilidade de provar o contrário, é
que o casamento é forçado e mantido sob a ameaça da violência. Violência
legítima não deixa de ser violência. Toda a voz forte de Madrid é apenas o
sintoma dessa fraqueza constituinte. Londres não precisou de ameaçar. Os
escoceses escolheram.
sábado, 7 de outubro de 2017
A direita e o PCP
A direita portuguesa é devota, muito devota de S. Jerónimo.
Acende velas ao santo. Reza-lhe por um milagre. Não tarda, fará procissões e
romarias. Consta que o santo, além de santo, é comunista, mas a direita
portuguesa adora comunistas. À séria. Ela adora comunistas, daqueles muito
proletários, de fato-macaco e revolução na boca, como quem reza um rosário.
Adora, mesmo. Para o provar, vendeu a EDP ao Partido Comunista Chinês, através
de uma empresa do Estado chinês. Agora, está desejosa de ver greves e
manifestações. Greves, para a direita portuguesa, são o máximo. Ela adora o
encarnado e as greves são um mar encarnado. E mais uma velinha para o santo,
coitado, que bem precisa e a direita gosta muito dos pobrezinhos e dos
necessitados. E a direita chora convulsivamente pela perda de câmaras dos
comunistas. Os dedos da direita não se cansam de deslizar nas contas do
rosário. E que pena há no coração da direita. Coitadinhos dos comunistas. A direita
chora mesmo mais que os próprios comunistas. E lá vem mais uma vela para S.
Jerónimo e um rosário pelo Comité Central. O pior, para a direita, é se o santo
for surdo.
quinta-feira, 5 de outubro de 2017
O abraço de urso
Outra coisa sem sentido, uma tontice que a comunicação
social adora pôr a correr, é a do abraço de urso. O PS de Costa estaria a
esmagar o PCP, tal como o PS francês de Miterrand teria esmagado o PCF. É
verdade que o PCP perdeu várias câmaras, algumas muito emblemáticas. No
entanto, o PCP teve quase 10% dos votos, muito à frente do CDS, esse grande
vencedor das eleições autárquicas com 2,6% e mais uns gramas provenientes de
coligações. Quem ouvir esta gente, não só o PSD está moribundo como o PCP
entregou já a alma ao criador, devido ao abraço do Costa.
Profecias sobre o PSD
Uma das coisas mais idiotas que se propaga no comentário
político nacional é a profecia sobre o futuro do PSD. Auguram-lhe terríveis
travessias no deserto, anos, talvez décadas, fora do poder, sei lá que mais.
Por mim, nada tenho contra. Contudo, tudo isto não passa de fantasia sem pés
nem cabeça. Quantas décadas de purgatório foram prognosticadas ao PS após os
anos negros de Sócrates? Ainda se lembram dos comentários? A realidade é tão
volátil, as condições do país tão frágeis, que tudo pode mudar de um momento
para o outro. O PSD de hoje é uma coisa, o de Fevereiro, caso haja eleições
internas em Dezembro, será outra. E como será a realidade internacional daqui a
seis meses ou a um ano? Ninguém sabe. Como ninguém sabia, antes das eleições de
2015 que o BE e o PCP estariam na área da governação. Se a esquerda quiser
continuar no poder, o melhor é nem olhar para estas profecias estapafúrdias
sobre o destino do PSD e trabalhar para que o país funcione. O resto é um
palavreado inútil.
terça-feira, 3 de outubro de 2017
De joelhos
O mais interessante da esquizofrenia nacional em que vivemos
é ver tanto cronista de direita - daqueles que espumam mal sentem o menor fedor
a justiça social - ajoelhado perante o PCP. Em tudo vêem a hora em que o PCP
dará cabo da coligação e levará, assim e sem trabalho, a direita ao poder. À
noite, as velhas tias dos nossos cronistas de observatório, acendem velinhas a
S. Jerónimo.
sexta-feira, 29 de setembro de 2017
PSD de Torres Novas
Antes que o dia acabe e se entre em reflexão, quero dizer
que não percebo em que planeta vive o pessoal do PSD de Torres Novas. A
campanha é miserável, para não dizer inexistente. Parece que distribuem um
panfleto com o pessoal para a Câmara e Assembleia, uma esferográfica e uma
caixa para a medicação da terceira idade. Portanto, uma aposta no futuro. Ao pé
do Bloco de Esquerda, são uns amadores de terceira. E depois a lista, se
comparada com antigas listas do PSD, dá vontade de rir. Bem, eu sou suspeito,
mas foi o que me pareceu. Até o CDS, uma raridade por aqui, esteve melhor.
quinta-feira, 7 de setembro de 2017
Passos Coelho
Não há ninguém que pense e aconselhe este pobre rapaz? Por
mim, tudo bem. Eu não voto no PSD nem na direita. Mas há coisas que confrangem.
Passos Coelho parece aqueles jogadores que não foram convocados pelo treinador,
mas que nos cafés dizem que se eles jogassem a equipa ganhava por mais e até ia
duas vezes à frente do campeonato. Ele acha que fora do círculo dos militantes
do seu partido alguém o leva a sério, por maior que seja a sua máscara de frade
pregador? Ser alternativa ao governo é ter alternativas e não as mesmas
políticas, mas que seriam melhores só porque seriam feitas pelo enviados do
Senhor que aterraram todos no PSD. Isto é de uma infantilidade desmedida. Ora o
país precisa que o governo e a maioria sejam confrontados com alternativas
políticas inteligentes, bem pensadas e adaptadas ao país que existe (e não ao
que se supõe existir). A democracia faz-se de confronto pacífico, mas firme. O
país tem tudo a ganhar se o confronto for inteligente, exigente, bem preparado.
Ora uma oposição casuística e cheia de patetices como estas pouco exige ao governo
e à maioria que o suporta. A sério, até a mim, que não o quero no governo,
estes exercícios (que nunca podem ser testados) me confrangem.
domingo, 3 de setembro de 2017
Continuação da religião
Clausewitz disse que a guerra é a continuação da política
por outros meios. Eu, depois de ter a infelicidade de ver as notícias na
televisão, digo: a política é a continuação da religião por outros meios. A
sério. O Passos Coelho e o Jerónimo Sousa parecem párocos de aldeia a fazer
homilias a uma tribo de fregueses desocupados. O Costa dá ares de bispo
malandreco, sempre à espreita de piscar o olho à primeira freira que se lhe
atravesse no caminho. Já a Catarina Martins e a Assunção Cristas são autênticas
irmãs da caridade. De congregações diferentes, claro, mas mesmo assim do mesmo
credo. E depois é preciso muita fé - uma fé que só Deus pode dar e ele anda
avaro, diga-se - para os podermos levar a sério. Não, aquilo não é política. É
religião. Pura e dura.
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