quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

O afastamento político entre homens e mulheres

Uma notícia do Público mostra que na denominada Geração Z (pessoas nascidas entre meados dos anos 90 do século XX e 2010) há uma funda clivagem política entre mulheres e homens. As primeiras adoptam posições cada vez mais progressistas, enquanto os segundos estão cada vez mais conservadores. Parece ser a primeira geração em que a orientação de voto entre homens e mulheres apresenta clara divergência. O artigo refere algumas possíveis causas deste afastamento, uma produção cultural mais feminista, uma apologia do sexismo entre os homens ou o movimento #MeToo. A questão, porém, centra-se numa alteração cultural que se vem acentuando desde os anos sessenta do século passado, a crescente autonomia da mulher e as dificuldades que os homens têm em lidar com esse facto. Não apenas uma autonomia profissional, mas também uma autonomia sexual. A este factor liga-se ainda uma transição da clivagem entre direita e esquerda motivada pelas questões económicas e de luta de classes, para uma clivagem motivada por questões de carácter simbólico e identitário. Hoje, os homens das novas gerações sentem que o poder e a dominação masculina sobre as mulheres está em perigo, e as mulheres batem-se por proteger e alargar as posições adquiridas nas últimas décadas. É plausível pensar que um dos problemas políticos fundamentais dos próximas tempos se centre neste conflito, que é uma das causas do crescimento da extrema-direita e da direita radical. 

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Michelle Obama

Por estes dias, os democratas norte-americanos, e todos aqueles que no mundo defendem a democracia liberal, vivem uma espécie de angústia do guarda-redes antes do penalty. A possibilidade de Trump ser eleito num confronto com Biden não é apenas verosímil, mas muito real. De súbito, começou a falar-se, no Partido Democrata, em Michelle Obama. Seria uma possibilidade interessante e teria, por certo, mais capacidade para derrotar Trump do que Biden. Resta esperar que o actual Presidente ponha à frente do seu desejo de reeleição o interesse dos americanos e de todos aqueles que temem um Trump, agora ainda mais agressivo e de mãos livres, que arrastará o mundo, em especial a Europa, para uma situação trágica. Sim, Michelle Obama poderia ter energia e inteligência suficientes para lidar com um candidato provocador como Trump. 

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Círculos uninominais?

É com regularidade que surge o debate sobre o modo como se escolhem os deputados em Portugal. Uma das alternativas ao método de Hondt, actualmente em uso, é a dos círculos uninominais. Uma modalidade que pressupõe que seja eleito o candidato que tenha mais votos num dado círculo. Se nenhum candidato obtiver 50%+1 voto, haverá uma segunda volta com os dois candidatos mais votados. Este método, em vigor em alguns países, é defendido em nome da aproximação do eleito aos eleitores do seu círculo. Seria o representante deles. Um outro argumento a favor deste método é o de proporcionar mais facilmente maiorias governativas. Contudo, existem objecções fortes contra ele. No caso de Portugal, entraria em contradição com o espírito da constituição. Os deputados eleitos não representam os seus círculos, mas o país como um todo. Em segundo lugar, essa aproximação é limitada. Na maior parte das situações, uma parte substancial do eleitorado não se sentiria representado pelo candidato eleito. Em terceiro lugar, numa cultura como a nossa, favoreceria o caciquismo e comportamentos paroquiais e não segundo o interesse nacional. Em quarto lugar, o parlamento eleito desse modo seria pouco representativo do país. Um cálculo feito com os resultados do círculo de Santarém, depois de se modelizar os círculos uninominais, e relativo às eleições de 2019, mostrava que se passava de uma representação, segundo o método de Hondt usado, com 4 deputados do PS, 3 do PSD, 1 do BE e 1 da CDU, para uma representação com 8 deputados do PS e 1 do PSD, caso fosse usado o método dos círculos uninominais. O parlamento ficaria na mão de dois partidos, deixando a opinião de parte substancial do eleitorado sem representação. É possível melhorar o actual sistema, encontrar vias mais eficazes para assegurar a representação dos portugueses. O método maioritário, com base em círculos uninominais, faria, porém, o contrário disso.

domingo, 28 de janeiro de 2024

Activismo e activistas

Um novo ataque contra uma obra de arte, no caso, mais uma vez, a Mona Lisa. O ataque foi feito em nome do direito a uma alimentação saudável e em solidariedade com os agricultores franceses, que protestam entre outras coisas contra o excesso de medidas de protecção ambiental a que estão sujeitos. É interessante olhar para aquilo a que se dá os nomes de activismo e de activistas. Eles pretendem recorrer a acções de radical contestação do status quo em que se vive. Estas acções têm alguma eficácia publicitária, mas parecem ter nula capacidade de modificar o estado de coisas. Qual a razão dessa ineficácia? Há uma razão de fundo. É que o activismo se inscreve na mesma lógica daquilo que pretende combater. O mundo moderno, aquele que começou por volta do século XVII e ainda, de alguma modo, é o nosso, funda-se todo ele na acção. A modernidade trouxe com ela uma hipervalorização do agir e desvalorizou de forma sistemática a dimensão contemplativa, que perdeu a capacidade de orientar as acções dos homens. É esta desvalorização do contemplativo na vida social, a sua completa invisibilidade, que conduziu aos dilemas sociais, económicos e políticos que enfrentamos. O activismo e os activistas não são adversários da lógica que pretendem confrontar, mas são uma sua emanação e, como tal, estão condenados a fortalecê-la, pensando agir contra ela. As suas acções apenas geram reacções, porventura, mais fortes e poderosas.

sábado, 27 de janeiro de 2024

O ovo da serpente

O filme O Ovo da Serpente, de Ingmar Bergman, retrata Berlim nos anos vinte do século passado, onde a hiperinflação tornava a vida um inferno. O filme mostra o ambiente onde foi chocado o ovo que trouxe a serpente do nazismo. Um pouco por todo o lado, passados cem anos, parece que de novo outros ovos de serpente estão a ser chocados. Em Portugal, discute-se se uma manifestação da extrema-direita de intuitos racistas, xenófobos e provocatórios deve ou não ser proibida. Na Alemanha, a discussão é se a AfD, um partido de extrema-direita, o segundo em todas as sondagens, atrás apenas da democracia-cristã, deve ou não ser proibido. As democracias liberais estão a ser submetidas a intensos testes de stress. Os seus inimigos, aqueles que se atingirem o poder a destruirão, reivindicam as regras do jogo democrático para o matar. As hesitações de há um século conduziram à eliminação das liberdades em muitos lugares e a uma devastadora guerra mundial. Há um momento em que as democracia terão de tomar em consideração a visão de John Locke relativa à tolerância. Desta estavam excluídos os intolerantes. A sagacidade de John Locke, no século XVII, contrasta com as hesitações dos dias de hoje, iguais, aliás, às de há cem anos.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Instabilidade política e o semipresidencialismo

O Presidente do Governo Regional da Madeira apresentou, segundo o Expresso, o seu pedido de demissão. O Presidente da República não dissolverá o parlamento regional e aceitará a indicação de um novo chefe para o executivo regional. Se assim acontecer, estaremos perante uma decisão adequado de Marcelo Rebelo de Sousa. Erradas foram as decisões de dissolver, por duas vezes, a Assembleia da República e, muito provavelmente, a dissolução da Assembleia Regional dos Açores. No caso da última dissolução da Assembleia da República, não havia qualquer razão para que o partido maioritário não indicasse um novo chefe de governo. No caso das dissoluções motivadas pelo chumbo do orçamento, não haveria razões para que os governos não apresentassem um novo orçamento que pudesse ser aprovado. O problema reside na estrutura institucional portuguesa, de natureza semipresencial. O que a experiência de quase cinquenta anos mostra é os Presidentes da República, todos sem excepção, foram e são factores de instabilidade política, não respeitando, quando isso lhes interessa, o voto dos portugueses. Um Presidente da República com poderes limitados, ou meramente representativos, teria evitado um número já significativo de actos eleitorais e permitido que as legislaturas chegassem ao fim. 

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

A bomba da AD caiu-lhe em casa

A nova Aliança Democrática começou ontem uma campanha centrada na corrupção. Num dos lados do cartaz dizia-se "Corrupção e falta de ética." e no outro "Já não dá para continuar". O cartaz é notável por dois motivos. Em primeiro lugar, porque é um encosto à retórica populista da extrema-direita. Depois, porque é lançado no mesmo dia que importantes membros do PSD, principal partido da coligação, são acusados de corrupção e constituídos arguidos. A corrupção não é o mal de um partido, como por vezes se pretende fazer querer. Ela está ligada ao poder. Os partidos de poder, sejam eles quais forem, terão sempre casos de corrupção, pois o poder atrai as pessoas disponíveis para se corromperem, e ainda mais numa sociedade como a portuguesa, onde a pequena corrupção - a cunha, o favor, etc. - é geral e endémica. Muitas vezes, os campeões da retórica anticorrupção, chegados ao poder, ou perto dele, acabam por ser os piores. O PSD achou que iria ganhar alguma coisa em imitar a extrema-direita e atirar uma bomba contra os socialistas. A bomba caiu-lhe em casa. 

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Europa a caminho do abismo

O projecto europeu afunda-se. Segundo notícia do Público, prevê-se que cerca de um quarto do Parlamento Europeu seja ocupado por forças de extrema-direita e da direita radical, eurocépticas. O projecto europeu nasceu da experiência traumática de duas guerras mundiais, cuja epicentro foi a desavença entre europeus. Passada a memória desses tempos dolorosos, os europeus preparam-se para uma nova aventura. As forças nacionalistas e soberanistas crescem um pouco por todo o lado. Trazem com elas o desejo de afirmação nacional, o que, na Europa, significa conflito com outros europeus. Prevê-se que o nacionalismo eurocéptico ganhe em França, na Áustria e na Polónia e que tenha um bom resultado na Alemanha, Portugal, Espanha e Suécia. Os europeus cansaram-se de viver em paz. Cansaram-se da liberdade em que têm vivido. Procuram um senhor que lhes diga como hão-de viver e os conduza para a guerra. Caminhamos, como sonâmbulos, para o abismo.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

A trumpização da direita portuguesa

A deslocação de deputados do PSD para o Chega é apenas um episódio de uma fuga de militantes dos partidos da direita democrática - PSD, IL e CDS - para a efervescência populista e demagógica liderada por André Ventura. Contudo, não são apenas militantes e quadros que se transferem. Também uma parte do eleitorado da direita se está a deslocar, a grande velocidade, para as hostes de Ventura. Este fenómeno, contudo, não é inédito. Trata-se de uma trumpização da direita portuguesa. Nos EUA, os dois grandes partidos são uma espécie de coligação com diversas tendências, por vezes, com mais diferenças do que pontos de convergência. O que aconteceu ao Partido Republicano foi uma de rendição do partido e do eleitorado aos sectores mais extremistas e populistas, sectores que se aproximam perigosamente de posições antidemocráticas. Antes de Trump, esses sectores abrigavam-se sob o chapéu do Tea Party. Depois, Trump deu voz a essas forças e foi conquistando o partido, liquidando o republicanismo conservador democrático e federou os militantes e o povo de direita numa frente que raia a intolerância e que ameaça as instituições democráticas. Esse fenómeno não se circunscreveu aos EUA. Estamos a assistir à sua reprodução em Portugal. Mais rapidamente do que se pensava, o Chega está a federar a direita e o povo de direita. Como não existe um grande e único partido da direita em Portugal, como acontece nos EUA com os republicanos, o Chega está a destruir o PSD e a IL, depois de ter liquidado o CDS, para preparar o confronto com a esquerda. Não se está a ver como é que a dupla Luís Montenegro e Nuno Melo, nesta reedição da AD, poderão obstar à trumpização da direita e do clima político em Portugal. O preço disto será idêntico ao que se observa nos EUA. A ideia de adversários políticos é substituída pela de inimigos políticos. A partir daí só se pode esperar o pior.