terça-feira, 31 de outubro de 2017

A boca fechada

Há coisas que me escapam, confesso. Por exemplo, deixar a língua à solta quando se faz política. Numa democracia, por incipiente que seja, qualquer coisa que seja dita é escrutinada até mais não poder. Rui Rio podia muito bem dizer que com ele as contas do Estado seriam rigorosas. Isso é uma coisa, outra é dizer que faria tal como Maria Luís Albuquerque ou pior. Percebe-se que Rio precise de mostrar-se diferente de Santana Lopes, o qual, segundo palavras do próprio, não vive com a obsessão do défice  (claro que não, todos sabemos que não). No entanto, não é necessário, mesmo para dentro do seu partido, fazer juras de amor por uma política que conduziu à saída do poder. Esta sobranceria não leva a lado nenhum. Não passa de uma bravata inútil e pateta. Para um político, qualquer coisa que possa pôr em causa o seu caminho para o poder é uma irracionalidade. Há pessoas – por norma vão para a política – que ganhariam muito se nunca abrissem a boca. Como seriam convincentes.

domingo, 29 de outubro de 2017

Liberdade para escolher

Como todos sabemos, os sistemas concorrenciais têm vantagem sobre os sistemas não concorrenciais, menos em Portugal onde a concorrência concorre para que tudo seja menos concorrencial. É assim na política, na religião, na moral e até na economia. Descobri, porém, que noutras áreas de pendor mais científico a concorrência também é benéfica para os consumidores. Falo a sério. Um exemplo, pedirá um leitor mais extemporâneo. E eu respondo: na meteorologia. A concorrência meteorológica é excelente e presta-nos a todos um grande serviço. Descobri que as previsões do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) são sempre cerca de 2 a 3 graus mais elevadas do que as do Meteoblue. Quando o constatei, imaginei logo que o Milton Friedman estava certo. Como não suporto o calor, olho para as previsões do IPMA, rio-me a bandeiras despregadas, e passo, de imediato e impante, para as do Meteoblue, que recolho embevecido e obrigado. Não há nada como a liberdade para escolher.

A revolução catalã

No último lustro do anos noventa do século passado, assisti, no ISCTE, num seminário da responsabilidade de Maria Carrilho, a um conjunto de conferências. Uma delas foi dada por um catalão, professor em Harvard, cujo nome acabei por esquecer. Recordo-me, porém, de ele ter dito que o problema da independência da Catalunha, com a adesão à CEE, deixara de se colocar. Não fazia sentido, agora que o Estado-Nação estava a perder força para as estruturas supranacionais e para as regionais, trazer para a agenda a questão independentista. A sociedade catalã sentia-se bem com as perspectivas que se lhe abriam, de uma autonomia cada vez mais alargada, com uma relação cada vez mais chegada a Bruxelas do que a Madrid.

Duvidei e acabei por perguntar pela situação na educação. Foi-me dito, tanto quanto me lembro, que aí o sentimento era diferente. Língua catalã, história da Catalunha, cultura catalã e um apagamento progressivo da língua, história e cultura espanholas. Isto reforçou a minha dúvida. É nos aspectos simbólicos que reside a força de qualquer independentismo. Por vezes, as questões económicas disfarçam-no, mas mal há uma crise – e ainda por cima se essa crise é reforçada pela inabilidade política e os tiques nacionalistas de Madrid e pelo aventureirismo da elite política nacionalista catalã – as coisas têm todas as possibilidades de dar para o torto, como estamos a assistir, nesta revolta do nacionalismo catalão.

Uma revolta, aliás, que traz uma novidade como salientava ontem Jorge Almeida Fernandes, no Público, ao citar o historiador francês Benoît Pellistrand, que se questionava se não estávamos perante a primeira revolução contra uma democracia liberal. Este aspecto tem sido muito pouco salientado, mas na verdade aquilo a que assistimos é ao confronto de uma paixão nacionalista com a ordem demo-liberal existente em Espanha. E o grande perigo de toda esta história é que a paixão nacionalista catalã acabe por acordar a sombria paixão nacionalista espanhola. Portugal nada tem a ganhar com o assunto e muito menos com o confronto dos nacionalismos do vizinho do lado. E isto não só por causa da economia, mas também da política. As ondas de choque deste tipo de confrontos costumam não respeitar os marcos que traçam as fronteiras.

sábado, 28 de outubro de 2017

Obsessões

Na candidatura de Santana Lopes à liderança do PSD há qualquer coisa de estranho. Um sentimento de desadequação ou de intempestividade. Isto não tem nada de pessoal ou, sequer, de ideológico. Simpatizo com a personagem, parece-me um bom tipo, embora não vote na sua área política. Olha-se para ele e percebe-se que pertence a um tempo que já passou. Veja-se, por exemplo, a afirmação “não sou candidato por obsessão por défice zero”. Agora que a esquerda, de forma assumida ou encapotada, se interessa vivamente pela redução do défice e por ter as contas do Estado em ordem, é estranho ouvir um candidato a líder do PSD dizer que não tem obsessão pelo défice. O problema não é da obsessão. Ninguém tem obsessão por défice zero, nem mesmo Passos Coelho teria. O problema é que, se a situação internacional descambar, talvez seja melhor ter as contas em ordem do que não as ter. Na verdade, Santana Lopes faz parte de uma geração de políticos em que o dinheiro do Estado compra a eleição. Não é só ele e não é só no PSD, claro. No PS, são multidão. Ora, esse tempo acabou. O melhor, mesmo sem obsessões, é compreender que o Estado deve ser frugal. Frugal não quer dizer mínimo. Quer dizer que deve gerir os dinheiros públicos com respeito e parcimónia, sem descurar as suas funções políticas e sociais.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Como no Netflix

É como numa série do Netflix. Estas palavras de um jovem apoiante da independência da Catalunha reflectem o carácter ficcional da proclamação da independência. Todos gostam da série mas ninguém acredita que ela seja a realidade.

http://www.lavanguardia.com/politica/20171027/432388315761/independentistas-parlament-catalunya.html

Argumentos esmagadores

Portugal, através de alguns esforçados militantes das redes sociais, deu um precioso contributo para a teoria da argumentação política. Dois esmagadores argumentos são agora apresentados nos debates online e com os quais qualquer tese fica de imediato demonstrada. E que extraordinários argumentos são esses que, mal pronunciados, tornam manifesto que quem os utiliza está na verdade? Quais são essas evidências que deixam a evidência cartesiana à beira de um ataque de nervos. Na verdade, não são dois, mas um formulado de dupla maneira. Eu sei que o leitor está desejoso de enriquecer o seu baú dos argumentos, os quais hão-de ajudá-lo a pôr de rastos os seus adversários políticos. Calma, a espera recompensa. Alguém diz alguma coisa – por exemplo, os tipos do governo são todos uns corruptos ou o pessoal de teu partido está a preparar-se para meter a mão no pote – e demonstra-a, de imediato, com um troante “E mais não digo!”. O adversário ajoelha, sem fôlego. Esta é a versão discursiva do argumento. Há também uma versão topológica. Depois de enunciada uma qualquer tese, por norma idêntica às anteriores, o excelso retor fulmina o adversário com o poderoso argumento: “E por aqui me fico!”. Não imagina o leitor, como o adversário fica siderado com um “E mais não digo!”. Fica em profundo silêncio hesitando se se há-de converter ou cometer hara-kiri. E perante o poderoso “E por aqui me fico!”, o que pode acontecer? Consta que, perante a evidência do argumento adversário, há pessoas que se atiram para dentro de poços ou da janela de um qualquer quinto andar. “E por aqui me fico!”. Portugal entrou para história da retórica política. “E mais não digo!”

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Esperar sentado

Parece que um dirigente obscuro do PS, no jornal da agremiação, se atirou ao Presidente da República, como gato a bofe. Continuo a não compreender o grau de amadorismo que tomou conta dos socialistas. Pensava que por lá existia quem soubesse, em primeiro lugar, ler os sinais e, depois, quem tomasse conta dos impulsos para evitar mais estragos. Se alguém, no PS, julga que tem a mínima possibilidade de impor, na opinião pública, uma narrativa diferente da de Marcelo Rebelo de Sousa sobre as calamidades que nos atingiram, então espere sentado. O PS está naquele momento – que, se tiver muito juízo, pode ser transitório – que o melhor é fazer-se de morto. Se acha que o caminho é abrir uma frente de guerra com o Presidente, então parece mesmo aqueles ratos que se vão colocar na boca do gato. Ninguém põe ordem na casa?

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Política pura e dura

Há pessoas que gostam de Marcelo Rebelo de Sousa por causa dos afectos e outras que o detestam por isso mesmo. Há quem não goste dele porque não faz o jogo da direita e outros porque deixou de fazer o da esquerda. Todos estes sentimentos são, contudo, irrelevantes. Estas ondas de afectos que, desde o início do mandato, marcam a atitude do PR são actos políticos e actos muito importantes. Haverá sempre quem diga que fazem parte da estratégia de reeleição. Por certo que sim, mas têm um papel central na democracia portuguesa. Cobrem um espaço político a que os partidos não chegam e que pode ser ocupado por um qualquer populismo que a desgraça traga. Marcelo põe dentro do regime aqueles que dele se foram perdendo. Ele é o pastor que não quer que nenhuma ovelha se tresmalhe. E este papel, reconheça-se, é fundamental para a saúde da democracia, ao tornar visível o que era invisível, obriga que os poderes eleitos tenham em consideração essa multidão de esquecidos que existe país fora. Isto é política pura e dura - uma boa política - e não efusão sentimental.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

A grande coligação

Depois da trágica saga dos fogos, parece que ainda não se percebeu nada, rigorosamente nada. Nem à esquerda, nem à direita, nem nos independentes, nem nos apolíticos. O problema não é da prevenção, nem do combate, nem da floresta, nem da ordenação do território, nem da desertificação. Tudo isso é problemático, muito problemático, mas o principal problema não está aí. Está na leviandade que tomou conta de tudo, de todas as instituições. Raramente se leva alguma coisa a sério. Raramente há autoridade política. Raramente há pensamento sério. Tudo é, neste país, circunstancial. Tudo é uma encenação medíocre para que os medíocres, independentemente da cor do governo, governem. As instituições promovem medíocres. E, como se sabe, a má moeda expulsa a boa. Os medíocres conspiram, protegem-se, tornam a vida insuportável aos que tentam pôr um pouco de ordem e de sensatez nas instituições. Os medíocres apropriaram-se dos partidos e constituem agora uma verdadeira coligação que governa Portugal. Esta coligação não é de esquerda, nem de direita. Ela é de todas as cores. Os governos caem, mas a coligação mantém-se e governa o país. É inexorável. Liquida quem mostre o mais leve resquício de talento. Quando se fala em meritocracia em Portugal dá-me vontade de rir. Um país entregue à estupidez manhosa, à impreparação, ao compadrio dos medíocres. Um país onde se cultiva estultícia para se colher desgraça. Esse é o grande problema. Tudo isto é muito, muito cansativo.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Hooliganismo político

As redes sociais são um lugar interessante para observar o hooliganismo político, tal como o descreve Jason Brennan. Em linhas gerais, podemos descrever o hooliganismo político como um interesse vivo pela política marcado pela incapacidade de, falando à maneira kantiana, se colocar no lugar do outro e conseguir perceber e explicar as crenças desse outro. Olhando para as redes sociais, a generalidade dos que se exprimem sobre questões políticas são, na verdade, hooligans. Há excepções, mas diminutas. Há hooligans de direita e hooligans de esquerda. Em ambas as facções, há hooligans mais amenos e hooligans mais exaltados. Uma das coisas mais curiosas é perceber a diferença entre os exaltadas hooligans de esquerda e os exaltados hooligans de direita. A exaltação dos hooligans de esquerda é sempre mais ideológica. Fazem acusações aos políticos do outro lado com epítetos marcadamente políticos. Estes epítetos políticos são atirados, claro, para desqualificar as pessoas a quem são dirigidos. Já o hooliganismo de direita usa menos epítetos políticos e mais ataques ao carácter dos políticos adversários. Tudo isto, claro, é uma tendência, pois encontramos os dois tipos de ataque em ambos os lados. O hooliganismo de esquerda ataca politicamente para rebaixar a pessoa. O hooliganismo de direita ataca a pessoa para a rebaixar politicamente. Complementam-se.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

O abandono

Decididamente, a Tykhe (a Fortuna, para os Romanos) abandonou António Costa. Não lhe fechou a boca há dias e agora, pior, não lhe iluminou as escolhas. Depois de o ter adulado, a deusa decidiu perdê-lo. Políbio, o geógrafo e historiador grego do século II aC, homem que sabia destas coisas, tinha por certo que sempre que as causas de certos eventos naturais fossem obscuras, era justificado atribuí-las à deusa. A velha rameira volúvel oferece o seio aos homens e, ainda eles não saborearam o prazer da conquista, já ela congemina, sem explicação nem piedade, a cegueira e o plano que os há-de levar à queda. Não acreditam, pois não? E já repararam no tom oracular do PCP? Não, os comunistas não vão derrubar o governo, mas já sabem o que vem aí. Andam nisto há muito.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Ponto da situação

Eu não sei se as pessoas que apoiam a actual solução governativa - e eu sou das que apoia - já perceberam a situação. A Assembleia não é dissolvida pura e simplesmente porque o PSD está sem liderança. E se houvesse dissolução da Assembleia, a esquerda de pouco se poderia queixar. O PS não deixou de ser o que era, uma das traves que, juntamente com o PSD e o CDS, levaram o país aonde está. O PCP e o BE, que poderiam ter tido uma função regeneradora e limitadora dos velhos hábitos do PS, limitaram-se a ficar de fora a discutir a mercearia (eu sei a mercearia é importante). Tirando os assuntos de mercearia (torno a dizer que sei que a mercearia tem a sua importância), deram carta branca ao PS. Para dizer a verdade, acho que os pressupostos que criaram esta solução governativa arderam nos fogos de domingo. Não basta mudar uma ministra. Talvez - mas aqui não tenho qualquer certeza - a esquerda, tendo em conta situação do PSD, ainda tenha uma oportunidade de regenerar a sua solução de poder, mas muita coisa terá de mudar e mudar drasticamente. Se não, a legislatura não chega ao fim.

Um jogo

O espectáculo, embora triste, não deixa de ser interessante. Entrámos em plena intifada. As partes, armadas de pedras, ululam e arremessam-nas sobre o lado contrário. Uns estão mais defensivos, nos outros subiu a adrenalina. Uns indignam-se pelo que não foi feito no passado; os outros, pelo que não foi feito no presente. Os que se indignam pelo passado são cegos para o presente. Os que se indignam pelo presente são cegos para o passado. O espírito exaltado que pastoreou a primeira República está, mais uma vez, à solta. Uns pensam: agora é que damos cabo deles, carregue-se fundo; os outros cogitam: há que aguentar o embate até que a maré vire. Nada disto tem a ver com as mortes, nem com a floresta, nem com o país. É um velho ódio que começou bem antes da primeira República. Talvez tenha começado com D. Miguel e D. Pedro, ou, o mais certo, ainda antes, com o Pombal e os Távoras. É um jogo. Disputa-se, pedras na mão, quem fica no lugar do Marquês e aqueles que se hão-de queixar de um azar dos Távoras. Não há assassinatos porque passou de moda. O resto? Pouco interessa, até porque as partes são o espelho uma da outra.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Formações

A formação do cidadão deveria começar com a leitura do capítulo VIII, do primeiro livro de Samuel. Está lá tudo sobre o nosso desejo de sujeição e aquilo a que nos sujeitamos. A formação do político, antes de se passar para Maquiavel, começaria com a tragédia grega. Com Agamémnon, de Ésquilo, e Édipo Rei, de Sófocles. Como são instrutivas. Ao vitorioso Agamémnon, ao chegar ao lar vindo de Tróia, esperava a morte. Não melhor destino, pois mais doloroso, coube ao sagaz Édipo. Como teria sido instrutivo António Costa ter faltado a umas reuniões da juventude partidária para meditar tais tragédias. A Tykhe é uma deusa muito volúvel.

Boca fechada

Hoje, na minha aula de Ciência Política, passei um documentário sobre O Príncipe, de Nicolau Maquiavel. Se soubesse o que António Costa ia dizer sobre os incêndios, bem como a ministra Constança e o secretário de Estado, cujo nome esqueci, tê-los-ia convidado a assistir ao documentário. Talvez mantivessem a boca fechada.

sábado, 14 de outubro de 2017

Avante, camaradas PSD

O melhor deste manifesto que parece que anda por aí a entusiasmar parte da militância PPD/PSD é a citação em epígrafe. De quem? De Jacques Rancière.

E quem é Jacques Rancière? Um filósofo francês que escreveu coisas como estas: «A única herança comunista que vale a pena examinar é aquele que nos é oferecida pela multiplicidade de formas de experimentação da capacidade de qualquer um, hoje como ontem. A única inteligência comunista é a inteligência colectiva construída através dessas experiências.»

Mas, dirá o leitor, ele, na citação fala de democracia. Pois fala. Então aqui fica o esclarecimento: «Devemos simplesmente chamá-lo (ao futuro da emancipação) de "democracia"? Existe uma vantagem em chamá-lo de "comunismo"? Vejo três razões para esse sobrenome. A primeira é que enfatiza o princípio da unidade e da igualdade das inteligências. O segundo é que enfatiza o aspecto afirmativo inerente à colectivização deste princípio. O terceiro é que indica a capacidade de auto-superação inerente a este processo, o seu infinito que implica a possibilidade de inventar futuros que ainda não são imagináveis.» [Para Rancière ver aqui.]


Não tarda, o pessoal do PSD anda por aí a cantar a Internacional. Avante, camaradas.

Perspectivismos

Eu não vi a entrevista de Sócrates à RTP. Há coisas que, se posso, evito. Contudo, o facebook é muito generoso. Apesar da generosidade, deixa-me confuso. Por exemplo, pelo que já li, de diversos autorias, o entrevistador foi demasiado educado e brando, e, ao mesmo tempo, segundo outras autorias, foi demasiado agressivo. Como se vê, o Kuhn tinha razão. O que para uns é um pato, para outros é um coelho (esta não é um indirecta).

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Os passos do secessionismo

Os secessionistas catalães ganharam alguma coisa com este processo? Do ponto de vista dos objectivos políticos explícitos, eles não ganharam nada e, a curto prazo, não ganharão nada. Há, contudo, uma coisa que conseguiram: tornaram patente - até por contraste com o Reino Unido e o caso da Escócia - a existência de um bloqueio não-democrático da constituição espanhola. Tornaram visível que o regime espanhol não permite sequer aos catalães - ou a outros - dizer se querem continuar casados com o resto de Espanha. O que fica manifesto, por ausência de possibilidade de provar o contrário, é que o casamento é forçado e mantido sob a ameaça da violência. Violência legítima não deixa de ser violência. Toda a voz forte de Madrid é apenas o sintoma dessa fraqueza constituinte. Londres não precisou de ameaçar. Os escoceses escolheram.

sábado, 7 de outubro de 2017

A direita e o PCP

A direita portuguesa é devota, muito devota de S. Jerónimo. Acende velas ao santo. Reza-lhe por um milagre. Não tarda, fará procissões e romarias. Consta que o santo, além de santo, é comunista, mas a direita portuguesa adora comunistas. À séria. Ela adora comunistas, daqueles muito proletários, de fato-macaco e revolução na boca, como quem reza um rosário. Adora, mesmo. Para o provar, vendeu a EDP ao Partido Comunista Chinês, através de uma empresa do Estado chinês. Agora, está desejosa de ver greves e manifestações. Greves, para a direita portuguesa, são o máximo. Ela adora o encarnado e as greves são um mar encarnado. E mais uma velinha para o santo, coitado, que bem precisa e a direita gosta muito dos pobrezinhos e dos necessitados. E a direita chora convulsivamente pela perda de câmaras dos comunistas. Os dedos da direita não se cansam de deslizar nas contas do rosário. E que pena há no coração da direita. Coitadinhos dos comunistas. A direita chora mesmo mais que os próprios comunistas. E lá vem mais uma vela para S. Jerónimo e um rosário pelo Comité Central. O pior, para a direita, é se o santo for surdo.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O abraço de urso

Outra coisa sem sentido, uma tontice que a comunicação social adora pôr a correr, é a do abraço de urso. O PS de Costa estaria a esmagar o PCP, tal como o PS francês de Miterrand teria esmagado o PCF. É verdade que o PCP perdeu várias câmaras, algumas muito emblemáticas. No entanto, o PCP teve quase 10% dos votos, muito à frente do CDS, esse grande vencedor das eleições autárquicas com 2,6% e mais uns gramas provenientes de coligações. Quem ouvir esta gente, não só o PSD está moribundo como o PCP entregou já a alma ao criador, devido ao abraço do Costa.

Profecias sobre o PSD

Uma das coisas mais idiotas que se propaga no comentário político nacional é a profecia sobre o futuro do PSD. Auguram-lhe terríveis travessias no deserto, anos, talvez décadas, fora do poder, sei lá que mais. Por mim, nada tenho contra. Contudo, tudo isto não passa de fantasia sem pés nem cabeça. Quantas décadas de purgatório foram prognosticadas ao PS após os anos negros de Sócrates? Ainda se lembram dos comentários? A realidade é tão volátil, as condições do país tão frágeis, que tudo pode mudar de um momento para o outro. O PSD de hoje é uma coisa, o de Fevereiro, caso haja eleições internas em Dezembro, será outra. E como será a realidade internacional daqui a seis meses ou a um ano? Ninguém sabe. Como ninguém sabia, antes das eleições de 2015 que o BE e o PCP estariam na área da governação. Se a esquerda quiser continuar no poder, o melhor é nem olhar para estas profecias estapafúrdias sobre o destino do PSD e trabalhar para que o país funcione. O resto é um palavreado inútil.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

De joelhos

O mais interessante da esquizofrenia nacional em que vivemos é ver tanto cronista de direita - daqueles que espumam mal sentem o menor fedor a justiça social - ajoelhado perante o PCP. Em tudo vêem a hora em que o PCP dará cabo da coligação e levará, assim e sem trabalho, a direita ao poder. À noite, as velhas tias dos nossos cronistas de observatório, acendem velinhas a S. Jerónimo.