domingo, 2 de dezembro de 2018

Aproximação


A coisa já ultrapassou os Pirenéus e instalou-se na Andaluzia. O Vox (extrema-direita anti-catalã, anti-imigração e anti-feminista (sic), mas não anti-liberal a nível económico) obteve 11% dos votos e 12deputados. Mais dia menos dia, chega cá. Julgo que, em matéria de afirmação da extrema-direita, chegámos a uma situação irreversível. Os partidos tradicionais - mesmo que tivessem uma profunda conversão, o que não está no seu horizonte - são impotentes para evitar que esta nova direita ganhe um espaço significativo na Europa e também na Península Ibérica. Neste caso, o processo está a começar.  

sábado, 6 de outubro de 2018

900 anos de História


Eu sei que o pessoal de direita acha a esquerda portuguesa abominável. Também sei que o pessoal de esquerda acha a direita portuguesa abominável. Também sei que nem uma nem outra são particularmente brilhantes. A verdade, porém, é que são ambas civilizadas, não são maximalistas, que contribuem ambas para o apaziguamento social. E enquanto o mundo anda por aí radicalizado, com os ódios a crescer a olhos vistos (veja-se o Brasil, mas não só), por cá a vida é tranquila, as pessoas respeitam-se e, no fundo, sabem que ceder um pouco ao outro lado é melhor do que exigir tudo e lançar o país na barafunda. E a esquerda e a direita têm feito isso em Portugal. Somos velhos e 900 anos de história devem ter servido para alguma coisa.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Flexões educativas


Uma das tragédias da educação portuguesa reside no facto dos governantes educativos - e os respectivos acólitos - confundirem informação com saber. Pelo facto da informação se ter tornado mais acessível (ai Google, Google) isso não significa que o saber se tornou mais acessível. Pelo contrário. Aumentou a confusão. E por mais flexões que os professores e os alunos passem a fazer a partir deste ano lectivo, as coisas tenderão a piorar. Porquê? Porque as flexões vão aumentar o grau de confusão e deixar muitos professores, muitos alunos e muitas famílias sem saberem o que se deve fazer. Se devem flexionar à esquerda ou flexibilizar à direita. Quero dizer: todo este folclore tende a desvalorizar o essencial, o trabalho organizado, ordenado, disciplinado e dirigido por professores cientificamente aptos. Isto é, o ensino tradicional feito com empenho e boa relação com alunos, desde a hora em que a criança entra na escola.

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Crianças grandes


As escolas foram obsequiadas por mais uma daquelas ideias que não apenas há-de salvar a educação da pátria como a alma dos homens e o destino do mundo. Chama-se flexibilidade curricular. Como comentário à genialidade da ideia cito Peter Sloterdijk, no começo do seu livro "Dans le même bateau": «A frase bem conhecida de Bismarck que diz que a política é a arte do possível contêm um aviso contra as crianças grandes que gostariam de se apossar do Estado. Para este homem de Estado, todos os adultos que não são capazes de aprender a diferença entre o que é politicamente possível fazer e o que é impossível permanecem num estado de infantilidade.» Ora o problema em Portugal é que as crianças grandes há muito se apossaram do Estado. Então na educação elas são legião.

terça-feira, 13 de março de 2018

Tiro ao boneco

Os portugueses têm um problema com as habilitações académicas e as doutorolices. O problema, porém, não está apenas do lado daqueles que acham por bem adoptar um currículo hiperbólico, talvez Freud explique o seu desejo inflacionário. Está também no entusiasmo esfuziante com que estes casos são tratados na esfera pública pela brigada da pureza académica. Em vez de estarmos a discutir, como se disso dependesse o destino não apenas da terra mas de todo o universo, se Barreiras Duarte foi visiting scholar em Berkeley ou não, seria mais recomendável que se estivesse a discutir as ideias de Rui Rio para o país, a não ser que Rio não tenha nenhuma e mais valha passar o tempo a fazer tiro ao boneco.

domingo, 11 de março de 2018

O congresso do CDS


Dei uma vista de olhos por uma série de fotos do congresso do CDS. Entre aquilo que se vê e as pretensões enunciadas por Assunção Cristas - ser a candidata da direita a primeiro-ministro - vai uma distância que parece infinita. Olha-se para a gente que frequenta o clube e percebe-se que o país é outra coisa. Não é que aquelas pessoas não façam parte do país. Fazem, mas o país já não as teme nem lhes tem reverência, nem tão pouco deseja ser como elas. E esse é o problema do CDS. Está enclausurado numa casta e o congresso parece uma reunião de boas famílias (honni soit qui mal y pense).

sábado, 10 de março de 2018

Do nosso lado

Sempre que alguém diz "A História está do nosso lado" não sei se hei-de chorar ou rir. Em primeiro lugar, a História é uma grande meretriz que dorme sempre com quem paga mais, isto é, com quem ganha. Assim, quem quiser casar com ela, e não lhe faltam pretendentes, prepare-se para ser enganado na primeira ocasião. Portanto, motivo para riso. Em segundo lugar, contudo, quando alguém diz que a História está do nosso lado, e não falta gente que diga que anda de braço dado com a rameira, não está a pensar em coisa boa. O senhor Bannon foi ao congresso da senhora Le Pen dizer isso mesmo (ver aqui), invocar o santo nome da galdéria História, o que me parece motivo de preocupação. Pessoas de bem não querem nada com a História. Suportam-na, mas não falam no nome dela. História é sangue, coerção, um cortejo de morte e violência. Querem ver a cara da História? Olhem para a Síria.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Congressar


Muito gostam os partidos de congressar. A direita congressa mais do que a esquerda. E na esquerda nem toda a gente congressa. O BE convenciona. Talvez ainda não tenha idade para congressar, mas não vai nada mal. Já convencionou 10 vezes. Modesto, modesto a congressar é o PCP. Depois do 25 de Abril de 1974 apenas congressou 11 vezes, mas um congresso do PCP aproxima-se já de um conclave de cardeais e estamos em plena esfera do sagrado. O PS, talvez por estar mais próximo da direita, já se reuniu em congresso 21 vezes. Lá terá as suas razões, que eu, felizmente, desconheço. Ao CDS nem a sua exiguidade eleitoral o inibe de congressar a torto e a direito. O desejo de se juntarem já os levou 25 vezes a congressar, embora duvide que saibam para quê. Quem não tem mais nada para fazer é o PSD. Em 44 anos de democracia, já congressou 37 vezes. Aquilo pela S. Caetano à Lapa é assim: muda o tempo, faz-se um congresso; o Francisco partiu uma perna, congresso com eles; a Maria engravidou, toca a congressar para decidir quem é o pai. Somos uma pátria de congressistas.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Legisladores e liberdade


Este artigo explica, e explica muito bem, por que motivo a nossa democracia tem laivos sul-americanos. Num país onde os legisladores, depois de eleitos pelo soberano, não são livres, não me parece que a liberdade dos indivíduos seja um bem a que as elites políticas paroquiais dêem especial atenção.

Massacres


"Nenhuma criança, professor ou seja quem for deveria sentir-se inseguro numa escola americana", diz o presidente americano. Quando as circunstâncias exigem uma política que ponha cobro a esta situação (massacres nas escolas), uma espécie de pandemia, Donald Trump exprime desejos. Dito de outra maneira, quando a realidade desmente a ideologia, exprime-se o desejo de que a realidade não seja o que é.

domingo, 14 de janeiro de 2018

Rui Rio e a esquerda

Se a esquerda pensar que Rui Rio é mais do mesmo ou potencialmente inócuo, então equivoca-se gravemente. Não é o programa económico que ele vier a apresentar que fará diferença. Na verdade, a política económica, mais euro menos euro, vem da União Europeia. O que o pode diferenciar é a sua resistência aos poderes de facto, como aconteceu no Porto, e um certo ar de pessoa austera e rigorosa que os portugueses, apesar de não gostarem de praticar tais virtudes, apreciam muito nos dirigentes políticos. Se a esquerda continuar a enrolar-se em coisas como a lei do financiamento dos partidos e em práticas pouco austeras de gastos públicos pelos governantes e nepotismo (coisas tão ao gosto do PS), não se venha depois queixar da infidelidade do eleitorado. A relação com o dinheiro e os cargos públicos vai ser a porta por onde Rui Rio vai tentar entrar no poder.