domingo, 31 de março de 2024

A mitologia dos independentes

Sempre que se forma um governo, de direita ou de esquerda, surge de imediato a retórica de uma das mitologias mais acarinhadas do imaginário comunicacional do país, a da presença ou ausência de independentes, pessoas vindas da sociedade civil e que, pelo seu elevado estatuto numa dada área, seriam mais-valias admiráveis ou, mesmo, verdadeiros salvadores. Em tudo isto há um lamentável equívoco. As pessoas que integram um governo não vêm trabalhar na sua área de especialidade, na qual geraram a sua reputação, mas vêm fazer política. São necessários políticos preparados, que conheçam os dossiês que vão tutelar. Ser cientista de grande mérito não dá qualquer garantia de que se seja um óptimo - ou sequer um bom - ministro da Ciência. Pode até ser muito prejudicial, pois o cientista está condicionado pelo seu trabalho, possui uma visão particular e enviesada da área que vai tutelar. O mesmo serve para qualquer outra área. É preciso que os partidos políticos tenham, na sua estrutura de militância, quadros especializados nas políticas das diversas áreas. Quadros que, enquanto fazem política, estudam e preparam as políticas que, estando no governo, deverão ser aplicadas, tendo em consideração o interesse nacional e não apenas o sectorial. Os especialistas talentosos, com peso na sociedade civil, caso queiram entrar na política, inscrevam-se no partido da sua eleição, aprendam a fazer política, enquanto dão um contributo ao partido para construir uma dada política sectorial. Isso seria muito mais sério do que a ladainha da ausência de independentes, de fechamento à sociedade civil, como se esta fosse exemplar e de lá, por um passe de mágica, saíssem políticos muito mais competentes do que aqueles cuja vida é fazer política. 

sábado, 30 de março de 2024

A motivação dos eleitores

No Público há um título interessante, pois revela uma visão pouco adequada da realidade política actual, uma visão ancorada no passado. O título diz: PSD acredita que resolução dos problemas do dia-a-dia vai esvaziar votos de protesto. Teria razão, caso o voto de protesto viesse da esquerda. Esse seria um voto que sinalizaria um desejo de integração efectiva no sistema político, pela melhoria das condições de vida. Será que a generalidade dos votos no Chega são votos de protesto tradicionais? O que se percebe nas experiências da Europa e dos EUA não parece apontar neste sentido. São votos que contestam a democracia representativa, o jogo de checks and balances que constrange os detentores do poder, a vida política fundada na argumentação contínua. Seria interessante estudar o voto, nas últimas eleições, dos eleitores que ganham o ordenado mínimo e perceber a percentagem dos que votaram na extrema-direita. O interesse reside no facto de terem sido os governos de António Costa que promoveram um crescimento nunca visto do salário mínimo. Muito provavelmente, isso não garantiu aos socialistas o voto desses eleitores. O voto estará a ser orientado por outras motivações que não os problemas do quotidiano. As democracias - isto é, s defensores das democracias liberais - terão de repensar as motivações dos eleitores e reinventar o jogo democrático.

sexta-feira, 29 de março de 2024

A legislatura, um teste de stress à democracia

Do novo governo diz-se que é um executivo de combate político. Subentendido está que mais do que governar efectivamente segundo um dado programa o que está em causa é sobreviver num parlamento adverso e preparar o caminho para próximas eleições. Isto manifesta um dos problemas dos regimes democráticos onde os executivos têm uma dependência directa do parlamento. Os sistemas parlamentares e semipresidenciais, como o português, funcionam bem enquanto não existem, com peso decisivo, partidos disruptivos. 

Os eleitores, ao darem um peso significativo ao Chega, não fizeram uma escolha que permitisse a emergência de uma solução política, mas optaram por introduzir uma disrupção no parlamento e na governação do país. Sabiam à partida que muito dificilmente a direita democrática poderia coligar-se com um partido com uma agenda disruptiva do sistema político e com questões programáticas e civilizacionais que infringem gravemente a identidade de partidos como o PSD e o CDS. 

A disrupção das instituições democráticas é, numa época em que os golpes de estado não estão na moda na Europa (talvez lá se chegue, de novo), o caminho para afirmar projectos iliberais, senão mesmo autoritários, personalizados num líder carismático tido por salvador. Aquilo que assistimos durante a eleição do Presidente da Assembleia da República, não apenas no não cumprimento de um compromisso institucional, mas também nas declarações no hemiciclo no pós-eleição, são apenas o sinal do que vem aí. Estamos perante um duro teste de stress à democracia.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Governo novo, políticas velhas

Enquanto não se conhece os novos ministros, há algumas coisas que se sabe. A política do novo governo não será substancialmente diferente  da do anterior. Por três motivos. Primeiro, porque grande parte das políticas governativas dependem das regras europeias, e a criatividade dos nossos governantes, por maior que seja, bate sempre contra essa realidade, à qual nos submetemos livremente (e para nosso bem, acrescento). Por outro lado, e este é e segundo motivo, a maioria que suporta o governo é tão pequena que os ímpetos reformistas - isto é, os ímpetos para piorar a vida das pessoas em nome de um hipotético futuro - esbarrarão com a oposição tanto da esquerda como do Chega. O terceiro motivo prende-se ao cálculo político do governo. Aplicar o programa da AD conduziria a uma rejeição por parte substancial do eleitorado, quando percebesse que o choque fiscal que beneficiaria uns, uma minoria, iria ter consequências tenebrosas para muitos outros, que seriam a maioria, apesar das promessas em contrário. Ora, a AD precisa de ganhar ímpeto eleitoral para as próximas eleições, que poderão estar à porta. Resta a Montenegro gerir aqueles dossiês que não implicam opções ideológicas de fundo, como o novo aeroporto, ou a questão das reivindicações dos diversos corpos da função pública, coisa que terá o apoio de toda a gente, mesmo dos socialistas que sempre se opuseram a essas reivindicações. O resto é uma questão de retórica entre os hooligans das diversas facções e de guerrilha partidária nas televisões, onde o novo governo está em maioria absoluta.

quarta-feira, 27 de março de 2024

A eleição na Assembleia, o medo e a falta de voz

Independentemente do que acontecer hoje na Assembleia da República, haja ou não um presidente eleito, há duas coisas que até para os mais distraídos ficaram claras desde o dia de ontem. Em primeiro lugar, estamos numa situação triangular em que todos são obrigados a calcular cada passo que dão. O Chega está em maré ofensiva e explora a situação com a finalidade de destruir o PSD, o seu grande objectivo imediato. O PSD está numa situação defensiva, por culpa própria, porque teve medo. Há quem pense que o PSD age condicionado pela esquerda e pela retórica antifascista. Pura ilusão. O medo que atinge as entranhas do PSD não provém de ficar mal na fotografia antifascista - a que, na verdade, nunca pertenceu - mas de não saber como lidar com o fenómeno Chega. Teme fazer acordos e teme não os fazer. Em qualquer dos casos sente que pode ser devorado pelo partido de Ventura. O PS, por seu lado, também está na defensiva, pois teme que os estilhaços da guerra nas direitas o atinjam. Se der um apoio ao PSD sem contrapartidas que sejam interessantes para o PS, será visto como fraco, além do mais ajudará a alimentar a repugnante retórica do Chega acerca dos tachos. Se não der esse apoio, será visto como faccioso aos olhos do centro político. Em segundo lugar, ficou dado o mote para a chicane política que virá aí. Luís Montenegro parece não ter nem a autoridade nem o talento que a situação difícil exige. Não percebeu que, no âmbito da direita democrática, para lidar com Ventura é preciso ter voz forte e iniciativa contínua, o que parece não ser o caso.

terça-feira, 26 de março de 2024

O não casamento entre IL e PSD

Tendo em consideração os resultados eleitorais, era de difícil compreensão as razões que poderiam conduzir a Iniciativa Liberal (IL) e o PSD a celebrarem qualquer tipo de acordo. Hoje deu-se o reconhecimento oficial desse facto (aqui). A escassez de deputados da IL não acrescentaria nada à escassez de deputados do PSD/AD. Não resolveria nenhum problema a Luís Montenegro e teria todas as possibilidades de criar alguns que este, nesta fase, dispensa. Por outro lado, a situação é tão precária que a IL teria muita dificuldade em fazer vingar as suas teses mais radicais, aquelas que dão ânimo aos seus militantes e que têm um elevado potencial para atirar o eleitorado para os braços da esquerda ou do Chega. Foi um não casamento por mútuo acordo. 

segunda-feira, 25 de março de 2024

O excedente orçamental

O governo que agora cessa funções deixa ao futuro governo uma situação financeira estabilizada. Se os socialistas, em vez de se terem preocupado com as contas do país, tivessem usado o dinheiro para satisfazer as exigências que parte substancial da função pública fez nos últimos anos, é plausível pensar que teriam vencido as eleições de 10 de Março, embora sem maioria absoluta e, provavelmente, sem uma maioria de esquerda na Assembleia da República. É de assinalar que os oito anos do consulado de António Costa se pautaram pela compatibilização de dois mundos, em aparência incompatíveis. O mundo das contas certas e o mundo da atenção à dimensão social. É preciso recordar que, há oito anos, quando Passos Coelho e Paulo Portas ganharam as eleições, mas ficaram em minoria na Assembleia, a coligação de direita se preparava para fazer mais cortes na dimensão social. As governações socialistas evitaram a deriva neoliberal e, ao mesmo tempo, tiveram desempenhos orçamentais sempre acima da expectativa. O excedente orçamental, para além da utilidade para o país, pois visa diminuir a dívida pública que sufoca a vida nacional, é um símbolo de uma gestão rigorosa, mesmo que haja socialistas a torcerem o nariz e a dizer, não sem infelicidade, que o excedente orçamental tem uma coloração salazarenta. Veremos o que vem de seguida, se uma preocupação com o equilíbrio financeiro, se uma deriva ideológica em torno do choque fiscal.

domingo, 24 de março de 2024

A justiça ou a eficência das instituições

Há dias, já não sei onde, talvez numa rede social, vi um pequeno vídeo que mostrava três grandes bibliotecas na China. Os edifícios são de uma modernidade arquitectónica extraordinária e a sua beleza surpreendente. Contudo, o mais impressionante é o sinal político que representam. Mostram a pujança da China, claro, mas o mais saliente é que são uma espécie de argumento a favor dos regimes autoritários e autocráticos. Pretendem mostrar a eficiência destes regimes quando comparados com as democracias liberais. O filósofo norte-americano John Rawls afirmou que instituições injustas, por eficientes que sejam, devem ser mudadas. Este era um credo basilar da cultura liberal do Ocidente. Ora, as potências autocráticas actuais pretendem afirmar a sua superioridade mostrando um grau elevado de eficiência na resposta aos anseios das populações, invertendo a máxima de Rawls. Por mais justas que sejam as instituições, se elas não responderem aos anseios populares, então devem ser mudadas. E este é um problema real nas democracias liberais do Ocidente.

sábado, 23 de março de 2024

A situação na Alemanha

O governador do banco central alemão, Joachim Nagel, parece ter abandonado a circunspecção política que este tipo de personagens por norma ostenta. Não apenas confessou ter participado, recentemente e pela primeira vez na vida, numa manifestação em defesa da democracia, como declarou que a extrema-direita é um perigo para o bem-estar dos alemães, pois afasta investidores e trabalhadores estrangeiros necessários ao desenvolvimento económico (ver aqui). Ora, o que move a extrema-direita não é o bem-estar dos respectivos povos, mas a ocupação do poder e a transformação dos cidadão livres em sujeitos submetidos à dominação de quem ocupa o poder e deseja realizar as suas fantasias nacionalistas. A extrema-direita não quer saber se a economia funciona ou não. Melhor, quanto pior funcionar, mais possibilidades terá de chegar ao poder. Por isso, tudo fará para haja falta de mão-de-obra e de investimento. Não é um concorrente democrático ao poder com vista a melhorar as instituições democráticas. É um inimigo da democracia e das liberdades. Ora, se um governador do banco central da Alemanha se predispõe a dizer aquilo que Nagel disse, então a situação está muito mais perigosa do que se pensa.

sexta-feira, 22 de março de 2024

A realidade e os desejos económicos da AD

Acabadas as eleições e ainda sem governo formado, a realidade começa a bater à porta de Luís Montenegro. O programa económico da AD, um programa abundantemente encomiado pelos comentadores habituais das televisões, os quais começam a encontrar desculpas para a sua não concretização, queria o melhor de dois mundos possíveis. Por um lado, um choque fiscal; por outro, aumentar a despesa público. Os encómios deviam-se à comparação com o programa económico socialista. O programa da AD era mais ousado, o dos socialistas mais conservador. Na verdade, o da AD era um programa baseado não na racionalidade, mas na fé ideológica, tendo em conta a realidade onde estamos inseridos. Os avisos começam a chegar. Hoje, foi o governador do Banco de Portugal a alertar para que o país não quer voltar para os procedimentos por défice excessivo (aqui). Por outro lado, as regras europeias estão longe de suportar o programa económico da AD. Parece que cortar fortemente nas receitas e aumentar as despesas ou mesmo não as diminuir acabará por conduzir o país a uma situação difícil (aqui). Veremos se o novo governo tem o talento de fazer com que haja chuva no nabal e sol na eira. 

quinta-feira, 21 de março de 2024

António Costa

António Costa sai das suas funções como uma personagem política de uma outra dimensão. No périplo pela Europa tranquilizou os parceiros europeus perante a nova situação política. Esclareceu que o PSD é um partido de clara vocação europeísta e acrescentou que mesmo o Chega, ao contrário de muitas partidos de extrema-direita europeus eurocépticos, nunca pôs em causa a pertença de Portugal à União Europeia. A defesa do país em primeiro lugar, deixando de lado razões ideológicas ou partidárias. Agora, convidou o Presidente da República (ver aqui) para a última reunião do Conselho de Ministros, ele que tinha todas as razões pessoais e políticas para não o fazer. Mais uma vez, o interesse de Estado sobrepôs-se aos seus sentimentos pessoais. António Costa, por muitas campanhas que se façam contra ele, pertence a uma outra dimensão, acima daquilo que se move na política nacional. Talvez um dia o país perceba a verdadeira dimensão daquele que vai deixar de ser primeiro-ministro dentro de dias.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Os jogos florais do Chega

Os jogos florais de André Ventura e dos seus amigos dentro do PSD em nada se relacionam com a estabilidade política. Não é claro sequer que André Ventura tenha interesse em entrar no governo. O que ele pretende é desgastar o PSD. Se for recusado um governo com o Chega, aproveitará para fazer o papel de vítima. Se Luís Montenegro voltar atrás e fizer uma coligação governamental com o Chega, este usará o governo como lugar de propaganda, acusando o PSD de o impedir de aplicar o seu, do Chega, programa. Neste momento, André Ventura está convencido de que está no melhor dos mundos possíveis. Quer fique de fora do governo, quer fique dentro dentro dele, a situação é-lhe de tal modo favorável que a única coisa que pode acontecer é a morte do PSD, a sua grande aposta.

terça-feira, 19 de março de 2024

A derrota da esquerda

Na análise das eleições, os antigos companheiros do PS na geringonça, PCP e BE, acusam a governação socialista de ser responsável pelos resultados eleitorais favoráveis à direita. O que não avaliam, todavia, é a incapacidade de ambos, PCP e BE, de tirarem proveito dessa eventual má governação e de crescerem de modo significativo. Não perceberam que, ainda que diferentes, as narrativas em que assentam tanto o discurso como a acção de ambos deixou de ter capacidade para mobilizar o eleitorado. A visão do mundo que propõem perdeu pregnância junto dos eleitores e a derrota que a esquerda, no seu todo, sofreu pode ter, mais do que se pensa, uma natureza estrutural, a qual parece ignorada pelos três partidos tradicionais da esquerda portuguesa. O Livre é uma novidade e, por agora, está fora deste problema, embora não esteja imune.

segunda-feira, 18 de março de 2024

Suécia, Itália, a degradação da democracia

No relatório da organização Liberties, divulgado hoje (aqui), começa a haver evidências empíricas sobre o modo como a extrema-direita corrói, em países como a Suécia ou a Itália, as liberdades e o Estado de direito. O avanço da extrema-direita perdeu o ar brutal dos golpes militares. Aproveita-se da democracia liberal e do Estado de direito e, chegando ao poder, de um modo soft, vai destruindo essa mesma democracia, limitando a liberdade de expressão e desestruturando o Estado de direito. A certa altura, está-se num Estado autoritário, quase sem se dar por isso. Depois, o soft power transforma-se em hard power, com a panóplia de horrores que sempre se lhe associam. 

domingo, 17 de março de 2024

O banho de sangue

Donald Trump anuncia, em caso de derrota nas próximas eleições presidenciais americanas, um banho de sangue (aqui). Dir-se-á que se trata de uma retórica de chantagem sobre o eleitorado indeciso. Também o é, mas será mais do que isso. Os EUA estão divididos ao meio, como se fossem duas nações inimigas. Quando os actores políticos têm comportamentos como o de Trump o banho de sangue torna-se mais provável. Há uns anos ninguém acreditaria que fosse possível nos EUA a invasão do Capitólio. Ela, porém, aconteceu. O facto de Trump anunciar um banho de sangue não lhe rouba um voto e não causa qualquer escândalo nos seus apoiantes. Se Biden fizesse uma declaração semelhante, não faltariam ondas de revolta. Isto é um sinal que o banho de sangue é plausível. Neste momento, enquanto Trump for o protagonista do lado dos republicanos, tudo pode acontecer. 

sábado, 16 de março de 2024

A governação socialista

Quando se olha para a imagem que o governo entretanto caído tinha e tem na opinião pública e na comunicação social fica-se com a ideia de que estávamos numa terrível situação de crise, estávamos mesmo à beira da catástrofe. No artigo de hoje, no Público (aqui), Pacheco Pereira, militante do PSD, mostra outra coisa. Textualmente afirma: O país, cujos indicadores económicos, financeiros e sociais (sic) foram bastante bons, e verificados internacionalmente (sic) não entrava nas notícias e nos comentários, assim como as chamadas de atenção para a "normalidade" de Portugal, mesmo no meio das "crises" por comparação com a Europa, não encaixavam na norma das agendas circulantes." 

Houve, muitas vezes, displicência nos governos de António Costa, é um facto. Contudo, os seus governos viveram sempre acossados, começando no início, com as espúrias exigências de Cavaco, como se ele tivesse direito de se substituir à Assembleia da República, passando, depois, por Marcelo Rebelo de Sousa, cuja proximidade de António Costa nunca deixou de ser instrumental, e acabando - o factor fundamental - no comunicação social, toda ela na mão da direita e com um agenda política muito vincada. Ora, nem a displicência socialista nem o cerco a que os seus governos foram sujeitos evitaram que os resultados das governações socialistas fossem reconhecidos, internacionalmente e de modo independente, como bons, se não mesmo como exemplares, apesar das "crises", isto é, da pandemia da COVID-19 e da guerra na Ucrânia.

No post de ontem, falou-se sobre a fuga dos eleitores socialistas para o Chega ou a vergonha daqueles que permaneceram fiéis. Existirão várias razões para esses dois fenómenos, mas uma das principais estará na campanha sistemática, desde a primeira hora, que a comunicação social lançou contra a governação socialista. Como Pacheco Pereira salienta, casos isolados eram trabalhados, na comunicação social, para darem uma imagem de caos. E isso acontecia sistematicamente. Por outro lado, os bons resultados eram minimizados. Não bastará, na governação, a esquerda obter bons resultados e reconhecimento independente, terá de aprender a viver com uma comunicação social completamente adversa e com um comentariado político na mão da direita. Terá de aprender a viver num ambiente comunicacional que trocou, há muito, a independência pela militância e, não poucas vezes, pela milícia.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Os eleitores socialistas

Começam a sair os dados dos inquéritos feitos à boca das urnas nas eleições de domingo (ver aqui). Há dois dados interessantes relativamente aos eleitores do Partido Socialista. É já claro que uma parte da perda de votação socialista se deve à transferência de votos para o Chega. Este dado é plausível, pois, entre o eleitorado dos partidos tradicionais (CDS, PSD, PS, PCP e BE), o eleitorado socialista é o menos consistente ideologicamente, embora tenha um bom stock de eleitores fiéis. A maioria dos eleitores dos partidos tradicionais à direita do PS são consistentemente de direita, assim como os eleitores à esquerda do PS são consistentemente de esquerda. A massa eleitoral do PS, porém, é aquela que não é uma coisa nem outra e, não tendo consistência ideológica, não vê razão que a impeça de transferir o seu voto do PS para o Chega, como já o fizera, em menor medida, para o Bloco de Esquerda. 

Outro dado interessante é o dos eleitores fiéis aos socialistas. António Salvador, director-geral da empresa de sondagens Intercampus, fala em espiral de silêncio dos eleitores socialistas, coisa que em 30 anos nunca tinha visto. Muitos não quiseram participar nos inquéritos. Segundo Salvador, as pessoas tinham vergonha de dizer que iam votar PS. Segundo ele, as razões seriam um misto de desconforto, desilusão e dúvida. 

Estes dados deveriam ser lidos com muita atenção pelos dirigentes do PS. Como foi possível que em dois anos uma fatia substancial dos eleitores socialistas se tenha transferido para a extrema-direita? Que razões levam o eleitor socialista fiel a ter vergonha da sua fidelidade? Seria bom para o PS - e para a democracia em Portugal - que o partido olhasse para a sua cultura política, para o modo como conduz a sua acção, e se interrogasse sobre se não chegou a altura de mudar o modo, sobranceiro e displicente, como se tem relacionado com o poder.

quinta-feira, 14 de março de 2024

A derrota do liberalismo

Um dirigente do PSD, Miguel Pinto Luz, em entrevista ao Público (aqui), usa uma frase interessante em relação ao eleitorado do Chega. A certa altura diz: temos de ter cuidado com essas pessoas e temos de acarinhar esse eleitorado. Palavras como cuidado e acarinhar pertencem ao campo do afecto e não ao campo político. A frase é, na verdade, a confissão de uma impotência transversal aos partidos da governação. Os eleitores do Chega estão zangados com o sistema, mas a razão dessa zanga é bem mais profunda e complicada de resolver do que parece. A lógica das governações liberais - sejam mais à direita, sejam mais à esquerda - colide com a expectativa daqueles que se sentem zangados.

As governações e os governantes liberais (sejam do PSD ou do PS) esperam que os cidadãos, usufruindo da liberdade, façam alguma coisa pela sua vida. Os cidadãos zangados, pois a vida não lhes corre como desejam, esperam que o Estado faça alguma coisa por eles. O crescimento do Chega funda-se neste conflito silenciado, por uns e por outros. Os seus eleitores - não todos, claro - julgam que o Estado deve cuidar deles. Os que ocupam o Estado fazem-no numa lógica em que, para além de um mínimo, cada um terá de cuidar de si mesmo. 

As palavras de Miguel Pinto Luz são eloquentes, pois manifestam a perplexidade de um político liberal perante uma votação que não foi outra coisa se não um pedido de instauração de uma república assistencialista, um retorno a um forte poder pastoral, para citar Michel Foucault. Certamente o que um dirigente do PSD gostaria de dizer seria: tomem em mão a vossa liberdade e façam alguma coisa por vós, tenham iniciativa (foi o que, em tempos, disse Passos Coelho). Perante a falência do espírito liberal representada pelo eleitorado do Chega, resta-lhe falar em cuidar e acarinhar o rebanho. A votação no Chega foi uma votação contra o liberalismo, contra essa ideia de que cada um é responsável por si mesmo.

quarta-feira, 13 de março de 2024

O PCP e a rejeição do novo governo

O Partido Comunista, através do seu secretário-geral, afirmou hoje que vai avançar com uma moção de rejeição ao futuro governo. Na verdade, a moção de rejeição não se destina a evitar que o próximo governo entre em funções, mas é uma tentativa de colar à direita tanto o PS como qualquer outro partido da esquerda que não vote a moção comunista. Esta é uma lógica reconhecível no Partido Comunista, pois, com raras excepções, ela vem de há muito. É plausível que o PCP não associe esta estratégia ao seu declínio eleitoral e social. Preso a uma lógica férrea de divisão entre direita e esquerda, fala e age para o seu grupo restrito, cada vez menor. Imaginar-se-á o campeão da esquerdidade, digamos assim, mas isso não acrescentará um grama à sua influência política, podendo mesmo fazê-la diminuir. Toda a esquerda está numa situação difícil e precisa de muita imaginação para encontrar um caminho, num momento em que é claramente minoritária no parlamento. Parece que os comunistas não estão interessados nisso. 

terça-feira, 12 de março de 2024

Eleições e pensamento mágico

Este post do blogue Der Terrorist (ver aqui) é um retrato impressionista, mas interessante, que ajuda a explicar a enorme votação no Chega e, também, o facto de ela ser acompanhada por um princípio de esperança. A paisagem humana descrita é aquela que em tempos teria votado no Partido Comunista, caso estivéssemos no ambiente político e social de há 20 ou 30 anos. Há neste retrato duas imagens significativas. 

A primeira diz respeito à desconfiança perante os princípio liberais que regem a nossa economia. Essa desconfiança não se manifesta em relação à economia de mercado, mas aos actores políticos que a defendem - PS e PSD - que são vistos como a causa da desgraça das pessoas comuns. A segunda é a perda de esperança nos métodos tradicionais do sindicalismo corporizado pelo PCP e na própria ideologia da esquerda tradicional com o seu arsenal de apelos à luta de classes.

As pessoas não querem amanhãs que cantem, querem hojes em que vivam bem, querem deixar a sua condição social, havendo, claramente, no voto no Chega um elemento de pensamento mágico. André Ventura é o feiticeiro que, com uma varinha mágica, os tirará da situação em que estão, mesmo que tenham pouca instrução e poucas qualificações. Olham para ele não como um político, mas como um mágico. 

Escutam em êxtase aquele discurso que reproduz o deles e não conseguem ver os interesses que se movem por detrás da capa do mágico ou dentro da sua cartola. Não conseguem perceber que por detrás do mágico estão aqueles que beneficiam da sua actual condição, não conseguem perceber que não existe qualquer varinha mágica que os possa socorrer. Mais, não conseguem perceber que uma vitória do mágico está longe, muito longe de ser a vitória deles. Ninguém os salvará.

segunda-feira, 11 de março de 2024

A cabeça de Marcelo

Marcelo Rebelo de Sousa, com a ânsia de deixar o governo na mão dos seus, conseguiu pôr o país no caos. Substituiu uma maioria sólida e coesa por uma minoria acossada à direita e à esquerda. Os seus ganharam, mas imagino que em muitos quadros do PSD há o sentimento de que teria sido preferível perder as eleições. O actual PR arrisca-se a deixar o cargo com o seu partido em pantanas e a extrema-direita no poder. A paisagem do país político é uma emanação das confusões que habitam a cabeça do actual Presidente. Um caos.

domingo, 10 de março de 2024

A crise das democracias liberais

José Pedro Teixeira Fernandes, investigador na área das relações internacionais e colunista do Público, dá uma interessante entrevista ao mesmo jornal (ver aqui) motivada pela publicação do seu novo livro O Fim da Paz Perpétua: Geopolítica de um mundo em metamorfose. O autor refere que se está num ciclo político pouco favorável aos ideias kantianos e à paz perpétua. A entrevista centra-se na factualidade empírica da evolução do mundo e das democracias liberais. Contudo, há um portal pelo qual vale a pena e perceber, de um outro ponto de vista, a crise que os regimes democráticos atravessam, tanto na sua capacidade de atracção dos povos para novas democracias, como na sua vida interna. Trata-se da crise do Iluminismo, movimento onde se inscreve o pensamento kantiano e a ideia, também kantiana, de paz perpétua.

A aliança entre o Iluminismo e o liberalismo criaram um movimento, em primeiro lugar, de secularização do Estado - o que foi essencial para evitar as guerras religiosas - a qual, de seguida, originou o crescimento se não do ateísmo pelo menos da indiferença religiosa. Este efeito é paradoxal, pois tanto o Iluminismo como o liberalismo, apesar de podermos encontrar autores nestas áreas marcadamente ateus e anticristãos, são uma emanação de ideias que germinaram e amadureceram no cristianismo. 

O corte das democracias liberais - em nome da secularização - com os valores e interpretação cristã tem vindo a escavar essas democracias, pois elas dependiam, apesar de se estruturarem em valores aparentemente não cristãos, da cosmovisão cristã que persistiu muito para além do domínio político da Igreja. O problema central das democracias liberais não é tanto a incompatibilidade crescente entre instituições democráticas estáveis e abertura ao mundo e ao cosmopolitismo, como salienta Teixeira Fernandes. Este problema, um problema real, põe-se porque deixou de existir uma cosmovisão partilhada que sustenta a legitimidade do poder político.

sábado, 9 de março de 2024

A proporcionalidade dos votos e dos assentos no parlamento

Amanhã haverá eleições, hoje é dia de reflexão, uma coisa extraordinária nestes tempos, e é interessante olhar para os métodos de apuramento dos lugares na Assembleia da República. Existem diversos, uns proporcionais, outros maioritários e outros mistos. O português é um método proporcional conhecido como método de Hondt (ver aqui o funcionamento do método). A proporcionalidade deste método, contudo, é limitada, favorecendo os grandes partidos. Um outro método proporcional, o de Sainte-Laguë (ver aqui o funcionamento do método), aproxima-se mais da proporcionalidade real presente nas urnas. 

Por norma, discute-se a questão entre o método de Hondt e um método maioritário (com os chamados círculos uninominais), havendo alguma inclinação, entre os debatentes, para uma mistira entre os dois sistemas de determinação de assentos parlamentares. Discute-se, também, a criação de um círculo nacional de compensação, para aproveitamento dos votos expressos que não elegeram deputados, coisa que ocorrerá sempre. Contudo, uma transição do método de Hondt para o de Sainte-Laguë tornaria a proporcionalidade da representação mais ajustada à proporcionalidade dos votos. Isto, porém, daria um parlamento mais fragmentado, impediria, de forma mais decisiva, as maiorias absolutas e obrigaria a entendimentos entre partidos. A Alemanha ou os países escandinavos usam variantes deste método. Nenhum método é perfeito, haverá sempre razões a favor e razões contra.

sexta-feira, 8 de março de 2024

Comentário como falsificação da realidade

Um factor de perversão da democracia portuguesa é a existência de ex-líderes políticos como comentadores nas televisões generalistas. Foi a partir desse comentário que Marcelo Rebelo de Sousa chegou à Presidência da República. As eleições de 10 de Março estão, de algum modo, pervertidas pelas intervenções de Paulo Portas e Marques Mendes, dois antigos dirigente dos partidos da AD e actuais apoiantes, incluindo na campanha, dessa mesma AD. Têm um espaço de comentário sem contraditório e apresentam-se às pessoas como se fossem independentes, enquanto interpretam a realidade de acordo com a visão dos seus partidos. A estratégia é parecer que se está a analisar objectivamente governos e oposições, distribuindo críticas e elogios como se se possuísse um padrão neutro de avaliação. Ora, esse padrão neutro não existe e aquilo que é feito não passa de condicionamento do eleitorado, fundamentalmente daquele que pode votar ora no centro direita, ora no centro esquerda. Esse condicionamento é fabricado pela passagem de certas narrativas que enquadram a apreciação da realidade política, distorcendo-a e favorecendo um dos lados. A questão nem é de estabelecer um equilíbrio de comentadores com a vinda para espaços televisivos idênticos de comentadores provenientes da esquerda. A questão é mesmo acabar com comentários feitos por pessoas comprometidas com posições político-partidárias e que parecem sugerir que, naqueles espaço, são independentes. Não o são.

quinta-feira, 7 de março de 2024

Ambiente e eleições

A campanha eleitoral segue alegre, como é hábito das campanhas eleitorais. Enquanto isso, o Fevereiro de 2024 foi o Fevereiro com temperaturas médias, nos oceanos e em terra, mais altas desde que há registos. Deveria a campanha, por causa desses pormenores, entristecer? Não, uma campanha eleitoral é sempre uma campanha alegre, mas deveria discutir o problema ambiental. A questão está armadilhada, com a proliferação do negacionismo fomentado pelos interesses das grandes indústrias poluidoras, contudo é uma ameaça real à espécie humana, à qual pertencem os portugueses. As grandes ameaças que Portugal enfrentará nos próximos anos estão ausentes da campanha eleitoral. Talvez os candidatos evitem de falar no diabo para que ele não apareça, mas esta expectativa pouco se coadunará com uma conduta razoável sobre o que nos espera.

quarta-feira, 6 de março de 2024

O acto falhado de Ventura

Se as pessoas soubessem o que significa um acto falhado, imagino que o Chega perderia uma parte dos seus votos. Não todos, claro, pois há em muitos apoiantes do Chega a mesma convicção que Ventura revelou através de um acto falhado. Num comício em Évora, Ventura falou em salvar Portugal da democracia (sic) (ver aqui). Os actos falhados, como ensinou Freud, têm o condão de trazer à luz do dia aquilo que uma pessoa pensa e que quer ocultar. Na verdade, o problema do Chega não é com o socialismo, como corrigiu Ventura, mas é mais amplo, é mesmo com a democracia. 

terça-feira, 5 de março de 2024

Passos Coelho, o visível lado oculto da AD

Passos Coelho é a verdade oculta do programa da AD. A direita tinha, e, na verdade, não deixou de ter, um projecto de empobrecimento de parte dos cidadãos, como contrapartida de enriquecimento de uma outra parte, através do chamado corte fiscal. Em 2014, Passos Coelho defendeu que os cortes salariais e de pensões era para se tornarem definitivos (ver aqui) e tê-lo-ia feito, caso tivesse uma maioria parlamentar nas eleições de 2015. Esta é uma estratégia que a direita levou a cabo nos EUA e Inglaterra, por exemplo. Os efeitos foram devastadores para as classes médias, mas foram um oásis para os mais ricos. A coisa é de tal maneira assustadora que há vários multimilionários a apelar para que os impostos sobre os mais ricos subam. 

Passos Coelho, por vezes, ostenta um tom ressentido perante António Costa. Isso deve-se a que as governações deste mostraram que o álibi da dívida era apenas um truque para beneficiar os grupos sociais mais ricos. Os salários e as pensões voltaram ao que estavam, primeiro, foram subindo, depois. Nada disso afectou o pagamento da dívida, nada disso afectou a sua diminuição. António Costa mostrou que o programa da direita estava assente numa mentira. É possível que uma parte daqueles que foram beneficiados pelas governações socialistas estejam zangados com elas e se predisponham a um retorno ao programa de Passos Coelho, pois é isso o que significa o corte fiscal proposto pela AD. Por certo, ficarão felizes quando salários e pensões forem de novo - agora, definitivamente, cortados - porque a receita é exígua e a dívida é para pagar. 

segunda-feira, 4 de março de 2024

O oculto nos programas eleitorais

Num artigo do Público, considera-se que a melhor maneira de tomar uma decisão, relativamente ao voto nas próximas eleições, é ler os programas dos partidos. Em parte, isso pode ajudar a perceber aquilo que cada partido propõe. Contudo, esta visão é ingénua. O que está escrito é aquilo que uma parte do eleitorado aceitará. O mais importante, muitas vezes, é o que não está escrito, mas que se tenciona fazer após as urnas fecharem e os votos estarem contados, o que muitas vezes assustaria até os eleitores fiéis. Todos os programas eleitorais são uma estratégia de revelação e de ocultação. Estão comprometidos não com a verdade das intenções, mas com a capacidade de persuadir o eleitorado. O mais importante, do ponto de vista do cidadão, é o exercício de uma hermenêutica da suspeita. Porquê suspeitar? Porque os programas eleitorais são um género da literatura ideológica, a qual, de modo mais ou menos consciente, é uma forma de distorcer a compreensão dos cidadãos. Não de todos, pois há eleitores que percebem muito bem aquilo que está oculto num dado programa e quando aceitam um, aceitam o escrito, mas, fundamentalmente, o não escrito, pois é este que agrada ao seu desejo. É bom ler os programas dos partidos, mas o melhor seria ter a capacidade de ler o que se oculta, seja nas entrelinhas, seja na pura omissão.

domingo, 3 de março de 2024

Destruir a democracia

Começou. Durante todos estes anos de democracia, nunca a fiabilidade dos resultados eleitorais foi posto em causa. Nunca ninguém falou de fraude eleitoral. André Ventura está a ensaiar a campanha para lançar dúvidas sobre os resultados eleitorais (aqui). Este é mais um passo para a destruição das instituições democráticas. Mais, nem sequer é muito inovador, pois é cópia do que alguns inimigos da democracia fazem noutros lados. Pensar que o Chega é um partido como os outros é um equívoco que se poderá pagar caro.

sábado, 2 de março de 2024

A questão do rating da dívida

O facto de a agência Standard & Poor's ter subido o rating da dívida portuguesa para -A não é negligenciável do ponto de vista da avaliação política dos governos de António Costa, apesar da pouca atenção que a comunicação social lhe deu. As opções políticas desenhadas em 2015 contrariavam a generalidade das opções que um novo governo de direita iria aplicar. Passos Coelho avisou que viria aí uma catástrofe, viria o diabo, devido à reversão dos direitos sociais que ele tinha confiscado e que se preparava para confiscar ainda mais duramente, a começar pelas pensões. Ora, o que se passou foi exactamente o contrário, apesar dos governos de António Costa terem de enfrentar uma pandemia e as consequências da guerra na Ucrânia. A gestão da dívida foi exemplar, os direitos confiscados foram devolvidos, o salário mínimo subiu para além de qualquer expectativa. Mesmo o investimento nas áreas mais problemáticas, como a Saúde, cresceu bastante. A esquerda mostrou que era possível compatibilizar o cumprimento das obrigações financeiras do país e a promoção do bem-estar das pessoas, a começar pelos mais vulneráveis. Nada disto, porém, pode ser suficiente para que a esquerda volte ao poder a 10 de Março. 

sexta-feira, 1 de março de 2024

O equívoco de Paulo Raimundo

Paulo Raimundo, líder do Partido Comunista, criticou as declarações de Rui Tavares, do Livre, que afirmou que "a direita democrática tem que ter alguém com quem dialogar". Considerou esta declaração como uma oportunidade para tornar o centro das atenções uma coisa que não tem interesse nenhum. O que é importante, considerou o líder comunista, é os salários, a habitação, a saúde. Por muito importantes que sejam as questões salariais, as da habitação e as da saúde, a questão do funcionamento do regime democrático ultrapassa-as de longe. Sem um regime democrático saudável, as outras questões são rasuradas e não encontram espaço para se manifestarem. Ora, parece que o PCP, por um lado, não percebe que não há incompatibilidade entre falar do são funcionamento do regime democrático e das questões que animam a campanha do PCP. Por outro, parece não atribuir importância ao esforço de evitar a degradação das instituições democráticas, as quais exigem um continuado de diálogo entre as partes. O diálogo defendido por Rui Tavares é a terapia constante que qualquer democracia exige. E isso é importante quando há forças que pretendem substituir o diálogo pelo confronto, como se pode perceber a partir do exemplo americano, mas também dos esforços que por cá se estão a fazer.