domingo, 13 de dezembro de 2020

Partidos políticos como organismos vivos

Ainda por causa de certas reivindicações da social democracia por forças políticas ex-revolucionárias. Se se olhar para a direita democrática europeia, deixando de lado as especificidades francesas do gaullismo, podemos descortinar três grandes tradições políticas, todas respeitáveis e com largas experiências governativas, muitas vezes bem-sucedidas. O conservadorismo, a democracia-cristã e o liberalismo. Uma das coisas interessantes, numa altura em que há tendência para desvalorizar a conversão – que, na verdade, não é de agora – de certos sectores da esquerda à democracia liberal e à adopção prática de programas políticos não revolucionários, é ver o percurso do conservadorismo. Começou por ser um movimento antiliberal e antidemocrático, para se converter à democracia liberal e ser, em Inglaterra, o principal partido do regime democrático. Tanto a democracia cristã como o liberalismo estiveram, nas suas origens, mais próximos daquilo que hoje chamamos democracia liberal, embora haja que ter em conta que ela nem sempre foi entendida de forma tão extensa como hoje. Os partidos políticos são organismos vivos e adaptam-se ao ecossistema em que vivem. Há coisas que o tempo aniquila. Por exemplo, o projecto reaccionário que emerge com Bonald, de Maistre e muitos outros conservadores adeptos do Antigo Regime, perdeu, com a vulgarização dos valores liberais, por completo o sentido. A reacção, tal como era então entendida, deixou de ter conteúdo operatório. O mesmo se está a passar com o projecto revolucionário. Não é apenas a queda da URSS e a conversão da China a um autoritarismo político mesclado com liberalismo económico, mas as melhorias graduais que se assiste em quase todo o lado tornam o projecto revolucionário tão utópico como o da reacção adepta do absolutismo do Antigo Regime. O mais provável é que a própria categoria de Revolução, que desde 1789 assombrou o pensamento político europeu (embora, a categoria já se tivesse manifestado um século antes com a Gloriosa Revolução (Inglaterra) e, já no XVIII, com a Revolução Americana), tenha perdido conteúdo político e seja hoje uma mera categoria histórica, tal como surge no título do livro do historiador Eric Hobsbawm, A Era das Revoluções.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Marisa Matias e a social-democracia

Anda por aí um charivari porque Marisa Matias, candidata à Presidência da República, apoiado pelo BE, se disse social-democrata. Isto já tinha acontecido quando Catarina Martins tinha afirmado qualquer coisa semelhante. Então pessoas de direita acham que a senhora só pode ser uma embusteira. No entanto, apenas uma cultura política absolutamente anedótica pode achar que a social-democracia é de direita. Nunca o foi, desde a sua origem. Social-democrata era o partido a que pertenceu Karl Marx. Social-democrata era o partido a que pertenceu Lenine até à ruptura entre mencheviques e bolcheviques. Com o advento dos partidos comunistas e da III Internacional, os partidos operários dividiram-se em dois grupos. Os comunistas e os sociais-democratas. Estes dispensaram a revolução e, mais tarde a partir da célebre convenção de Bad Godesberg do SPD alemão, dispensaram o marxismo. No entanto, nunca a social-democracia deixou de ser de esquerda. Olhando para o BE, não parece haver qualquer razão para duvidar do que diz Marisa Matias, a não ser que se considere o PSD português um partido social-democrata, coisa que se deve a um equívoco e ao atraso com que Portugal chegou a um regime democrático. Com representação parlamentar em Portugal, não me parece existir um único partido de esquerda cuja praxis política seja outra coisa senão social-democrata. Isto é, defensora de reformas políticas visando uma certa, embora mitigada, igualdade e o Estado social. Há diferenças de intensidade e também no volume com que o discurso é debitado, mas nada disso altera a realidade política.