sábado, 28 de dezembro de 2019

Do liberalismo em Portugal

Quando vejo loas ao liberalismo, tenho sempre uma grande vontade de rir. Não pelo liberalismo em si, mas pelo seu casamento com os portugueses. Neste artigo, JPP torna patente a realidade portuguesa. Está a falar do actual regime? Sim e não. Sim, porque as coisas funcionam assim. Não, porque já antes funcionavam exactamente no mesmo modo. No Estado Novo, na primeira República, na Monarquia liberal e, por certo, na Monarquia absoluta. Aquilo que se vitupera nos políticos do regime é o mesmo que se faz na vida privada, onde se pratica sem qualquer problema de consciência a pequena e a grande cunha, o favorzinho, a mão que lava outra mão, o dar uma palavrinha, o vê lá se conheces alguém, o olha preciso de um emprego para a pequena, etc., etc. O problema de Portugal não é o da ideologia de quem está no governo, mas o nosso profundo amor à família e aos amigos. Estes são muito mais reais do que as regras e os princípios abstractos que nos deveriam, de forma neutra e universal, guiar. Entre as abstracções e os interesses concretos, a maior parte dos portugueses não hesita e vocifera não me venham com coisas abstractas. Se o princípio abstracto mostra alguma resistência, logo se encontra modo de o contornar. Achar que se vai mudar é de uma inocência que se compreende nos verdes anos, mas que não passa de uma ilusão. Antes das pessoas pertencerem a partidos políticos, elas são portuguesas, beberam a cultura nacional e estão intimamente conectadas ao tecido social português com as suas regras ocultas e as suas leis de facto (embora não de direito).

domingo, 15 de dezembro de 2019

Da consistência do Chega

Este par - André Ventura (AV) e Diogo Pacheco Amorim (DPA) - é suficiente para se perceber que o Chega não é uma mera agremiação de indignados analfabetos. Tem no seu círculo de apoio muitos analfabetos e muitos indignados de ocasião, mas começa-se a perceber que há gente que pensa politicamente com profundidade. A tentação que há em desvalorizar o que nos horroriza ou cobrir o temor com frases exaltadas não nos ajudará a perceber o fenómeno Chega e as forças que o dirigem. Considerar estas pessoas como idiotas é cair no ardil que AV tem tentado estender. Não apenas AV é muito mais consistente do que aquilo que ele quer fazer crer quando se arma em indignado de serviço para atrair os ressentidos, como DPA dá uma armadura ideológica e, fundamentalmente, uma ligação à tradição da velha direita mais ultramontana e às suas solidariedades que não devem ser desprezadas. Gritar que são fascistas (mesmo que o sejam, embora isso me pareça um anacronismo), por exemplo, pode servir para esconjuro mas não contribuirá para eliminar o fenómeno.

sábado, 14 de dezembro de 2019

As eleições britânicos e o brexit

Há uma coisa curiosa nos resultados eleitorais britânicos (ver aqui). Apesar da vitória dos conservadores ser clara e da legitimidade do brexit ter saído reforçada, é possível que os eleitores favoráveis à permanência na UE sejam hoje maioritários. Se a classe operária anti-UE abandonou o Labour e votou conservador, será possível que os eleitores do Labour remanescentes sejam pró-UE, a que se deverá adicionar os votos dos Liberais (claramente sub-representados tendo em conta a votação que tiveram), do Scottish, dos verdes e de outros. O sistema maioritário britânico (a uma volta) distorce completamente a vontade do eleitorado (ver também aqui), aliás como o sistema dos grandes eleitores nos EUA.