Um dirigente do PSD, Miguel Pinto Luz, em entrevista ao Público (aqui), usa uma frase interessante em relação ao eleitorado do Chega. A certa altura diz: temos de ter cuidado com essas pessoas e temos de acarinhar esse eleitorado. Palavras como cuidado e acarinhar pertencem ao campo do afecto e não ao campo político. A frase é, na verdade, a confissão de uma impotência transversal aos partidos da governação. Os eleitores do Chega estão zangados com o sistema, mas a razão dessa zanga é bem mais profunda e complicada de resolver do que parece. A lógica das governações liberais - sejam mais à direita, sejam mais à esquerda - colide com a expectativa daqueles que se sentem zangados.
As governações e os governantes liberais (sejam do PSD ou do PS) esperam que os cidadãos, usufruindo da liberdade, façam alguma coisa pela sua vida. Os cidadãos zangados, pois a vida não lhes corre como desejam, esperam que o Estado faça alguma coisa por eles. O crescimento do Chega funda-se neste conflito silenciado, por uns e por outros. Os seus eleitores - não todos, claro - julgam que o Estado deve cuidar deles. Os que ocupam o Estado fazem-no numa lógica em que, para além de um mínimo, cada um terá de cuidar de si mesmo.
As palavras de Miguel Pinto Luz são eloquentes, pois manifestam a perplexidade de um político liberal perante uma votação que não foi outra coisa se não um pedido de instauração de uma república assistencialista, um retorno a um forte poder pastoral, para citar Michel Foucault. Certamente o que um dirigente do PSD gostaria de dizer seria: tomem em mão a vossa liberdade e façam alguma coisa por vós, tenham iniciativa (foi o que, em tempos, disse Passos Coelho). Perante a falência do espírito liberal representada pelo eleitorado do Chega, resta-lhe falar em cuidar e acarinhar o rebanho. A votação no Chega foi uma votação contra o liberalismo, contra essa ideia de que cada um é responsável por si mesmo.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.