sábado, 24 de agosto de 2024

A mulher como problema político

Um dos problemas estruturais da política é o do estatuto das mulheres. Não há nada como situações radicalizadas e hiperbólicas para o perceber. Uma nova lei no Afeganistão dos talibãs proíbe a mulher de ler, cantar ou falar em público. Mais, as mulheres devem cobrir todo o corpo em público, incluindo o rosto, para evitar causar tentação ou evitar olhares indesejados (aqui). Esta situação absolutamente paranóica permite perceber com clareza extrema muito do que se passa na política, mesmo na dos países ocidentais, aqui de forma mais disfarçada. Os homens não conseguem confrontar-se com o facto de as mulheres terem a liberdade de dirigir a sua própria vida e, o pior tormento, a sua sexualidade. E isto tornou-se uma questão política, como se pode ver nos EUA, mas também já na Europa. Não é por acaso que os rapazes das novas gerações se inclinam cada vez mais para soluções extremistas de direita, na ânsia de pôr as mulheres no devido lugar.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Presidenciais, mais 10 anos?

Duas notícias do Público trazem de volta os cenários para as próximas eleições presidenciais. Numa, Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, avança com o nome de Leonor Beleza como candidata na área do centro-direita (aqui), tornando ainda patente que o PSD tem um bom stock de presidenciáveis, Marques Mendes, Passos Coelho e Durão Barroso. Na outra, refere-se que há, na esquerda, uma vontade de encontrar um candidato comum, mas que BE e Livre não vêem com bom olhos a candidatura de Mário Centeno (aqui). Outros nomes apontados na área socialista, como António Vitorino ou Santos Silva, são também problemáticos e pouco atraentes para o eleitorado. A direita detém a presidência da República há 20 anos e, com a ausência dos candidatos naturais da esquerda, António Guterres e António Costa, prepara-se para mais dez anos de presidência.

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

O discurso de Trump

Há alguns sinais interessantes sobre uma possível vitória de Kamala Harris nas próximas eleições presidenciais. O mais interessante é o próprio discurso de Trump. Ao acusar Kamala Harris de comunista ou, agora, de afirmar que com ela na presidência teremos, quase certo, uma terceira guerra mundial, Trump parece desesperado. É evidente que para uma parte dos eleitores republicanos o que Trump diz da democrata é a pura verdade, mas esses são os eleitores indefectíveis, os quais votariam em Trump mesmo que este se transformasse numa galinha, e não aqueles que decidem as eleições. Veremos se Kamala Harris e Tim Walz continuam a ter o talento suficiente para provocar em Trump um discursos inverosímil de tão catastrofista que é.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

A política e a carne no assador

Lê-se, num lead de uma notícia no site  da SIC, o seguinte: Montenegro pôs carne a mais no assador. É bom dar dinheiro às pessoas, mas politicamente não era preciso. O PS não vai impedir o orçamento. O autor do excerto é José Miguel Júdice, tê-lo-á proferido num comentário na televisão. Não é o conteúdo que é interessante, mas o estilo, nomeadamente, a expressão Montenegro pôs carne a mais no assador. Esta expressão metafórica não provém de uma preocupação culinária, mas deriva do comentário futebolístico. Estas transferências linguísticas do futebol para a política estão longe de ser inconsequentes, mesmo que sejam espontâneas. Estabelecem uma analogia entre futebol e política e transferem para a política a relação hooliganesca que as claques dos clubes têm com o jogo. A degradação da política também acontece pela degradação da linguagem dos comentadores.

terça-feira, 20 de agosto de 2024

A incontornabilidade do referendo

O Chega precisa, para justificar o voto contra o orçamento, de um pretexto. Encontrou-o no referendo sobre a imigração. Sabe perfeitamente que o governo não aceitará esse referendo. A incontornabilidade do referendo (aqui) visa a chicane política e encontrar uma desculpa perante os eleitores de direita para fazer depender o orçamento do governo das boas graças dos socialistas. Resta saber se este truque terá algum efeito positivo para o partido de Ventura. Mais uma vez, o Chega não é uma solução para os problemas do país. Ele é um dos problemas.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Em louvor do centro político

Há, em Portugal, uma expressão política de contornos tenebrosos. Trata-se de "centrão". Designa o arco da governação, PS, PSD e CDS, os quais vão trocando de lugar na governação e na oposição. Por norma, é associada aos interesses, como quando se diz o "centrão de interesses". Isto faz parte da bavardage política. O seu carácter tenebroso está naquilo que não é dito. A mensagem subliminar é se o centro não é virtuoso, então a virtude estará nos extremos. É uma forma encapotada de louvar soluções políticas insensatas e perigosas. Sempre que a solução política se radicaliza, a sociedade fractura-se. As soluções de centro - ora à direita, ora à esquerda - não são iguais, mas asseguram um equilíbrio que evita a polarização política e promove a prudência nas decisões. Contrariamente ao que muitos pensam, dirigir uma comunidade política não visa arrastá-la numa aventura, mas assegurar a sua continuidade no tempo e a sua unidade na forma.

domingo, 18 de agosto de 2024

Turismo de massas

No Público, um artigo de Michael Hagedorn, consultor no âmbito da cooperação internacional, tem o sugestivo título de Lisboa prostituída. Torna patente como a orientação de Portugal para o turismo de massas está a matar a sua capital e, por certo, começa a matar outras cidades. Os portugueses têm um talento inexcedível para repetir os erros do passado. Foi o ciclo das especiarias, foi o ciclo do ouro do Brasil e, agora, temos as novas especiarias e o novo ouro do Brasil, o turismo de massas. Como nas épocas anteriores, alguém vai ganhar muito dinheiro e, a generalidade dos portugueses, vai ficar com uma vida pior. Há uma inclinação nacional para a facilidade. O pior, porém, são as elites políticas que, em vez de contrariarem essa inclinação, são o seu suporte e a sua força dinamizadora. O que iremos inventar, para fugir àquilo que é exigente, quando o ciclo do turismo de massas se fechar?

sábado, 17 de agosto de 2024

Eleitoralismo

Por que razão o bónus aos reformados e pensionistas meditado pelo actual governo é uma medida de carácter eleitoralista? Por dois motivos. Em primeiro lugar, visa criar um impacto momentâneo, coisa que não aconteceria se fosse diluída nas 14 pensões anuais. O bónus mais elevado é de 200 euros. Dividido por 14 mensalidades daria qualquer coisa como 14,29 euros. A situação seria mais invisível no caso dos bónus de 150 e 100 euros. Nenhum pensionista, no momento do voto se lembraria dos 14,29 euros, mas há grande possibilidade de se lembrar da generosidade dos 200 euros. Em segundo lugar, a ideia de bónus pretende ostentar a bondade do governo, enquanto evita qualquer compromisso para o futuro. Isto é, a ideia não é alterar a situação das reformas e pensões baixas, mas conquistar os votos desse eleitorado, aproveitando as contas deixadas pelo anterior governo. 

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

O Pontal e o verdadeiro programa

O primeiro-ministro, na chamada festa do Pontal, anunciou três medidas. Um pequeno bónus para cerca de dois milhões de reformados, abertura de mais vagas nos cursos de medicina e passe ferroviário nacional. Estas medidas têm duas características. Por um lado, poderiam ser tomadas por um governo de esquerda. Por outro, são irrelevantes do ponto de vista dos problemas que as suscitam. Não ajudam a tratar nem do problema dos reformados com baixas pensões, nem contribuem para a solução dos problemas do Serviço Nacional de Saúde, nem desenham uma política para o transporte ferroviário em Portugal.

São medidas de natureza eleitoralista, visando capturar eleitorado ao centro, e com uma função distractiva desse mesmo eleitorado para aquilo que é a visão estrutural da direita. É preciso não esquecer que Luís Montenegro foi um fiel escudeiro das políticas de Passos Coelho, o qual pretendeu - e fê-lo - ultrapassar em radicalidade o radicalismo do programa da troika. Se se quiser perceber o que será o país com uma maioria de direita, onde não esteja presente o Chega, há que olhar com atenção para as políticas do PSD-CDS sob o comando de Passos Coelho. O discurso do Pontal serve para adormecer incautos e ganhar tempo e eleitores para aplicar o verdadeiro programa.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Imoralidade, agora na Argentina

Um novo exemplo da degradação moral trazido pela direita radical. Agora, na Argentina. Milei acaba com a investigação ao desaparecimento de crianças durante a ditadura (aqui). A ditadura militar argentina (1976-1983) foi particularmente feroz. Entre as malfeitorias praticadas está o desaparecimento de milhares de crianças (estima-se que cerca de 30 mil, embora Milei reconheça menos de nove mil desaparecimentos). Retiradas muitas vezes às mães após o nascimento num centro de detenção, mães que desapareceram ou foram assassinadas, essas crianças foram entregues para adopção por famílias ligadas ao regime ou a pessoas que desconheciam a origem das crianças. O movimento Abuelas da Plaza de Mayo tem desempenhado um papel fundamental na denúncia desses crimes e na busca pela restituição da identidade a essas crianças. Desde o fim da ditadura, a organização tem trabalhado para identificar e localizar as crianças apropriadas, utilizando, entre outros métodos, exames de ADN para confirmar as suas identidades. À imoralidade da prática de rapto de crianças pela ditadura militar sucede agora imoralidade do actual poder argentino ao pôr fim à investigação pelo Estado do paradeiro dessas pessoas que foram roubadas à sua família. 

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Promoção da desigualdade de oportunidades

Mesmo sem propinas exorbitantes como aquelas que se pagam em alguns países, ter uma despesa mensal de 900 euros (aqui) para estudar no ensino superior significa que parte muito significativa dos jovens portugueses têm escassas ou nulas possibilidades de o frequentar. Não por acaso, o número de desistências é o que é.

O principal problema reside no preço da habitação. Ora, este problema existe há muito para os estudantes que se têm de deslocar para frequentar a Universidade fora do sítio onde vivem. Nunca os governos, de várias cores, estiveram preocupados com uma política de construção sistemática de residências estudantis. 

Não há governo de esquerda ou de direita que não goste de ostentar a educação como um factor de promoção de igualdade de oportunidades. Contudo, investir naquilo que asseguraria essa igualdade nunca esteve nas suas intenções. A Universidade continua a ser, devido à inércia dos governos, um factor de promoção da desigualdade de oportunidades.

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Extrema-direita e corrupção moral

A direita, não poucas vezes, indigna-se perante aquilo que classifica de superioridade moral arvorada pela esquerda. O problema é que não hesita em dar argumentos a essa esquerda, também ela, não poucas vezes, imoral. Neste momento, a Suécia tem um governo de direita, uma coligação de três partidos de centro-direita, com o apoio parlamentar dos Democratas Suecos, um partido de extrema-direita. Devido ao acordo com a extrema-direita está em estudo uma lei que obriga os funcionários públicos (médicos, professores, funcionários de bibliotecas, etc., etc.) a denunciar imigrantes ilegais. Há uma enorme contestação das organizações desses sectores de servidores públicos da comunidade (aqui).

A lei, se vier a existir, é moralmente repugnante. Não apenas por atingir os mais fracos (os imigrantes ilegais), mas por transformar os servidores públicos em denunciantes, numa espécie de informadores de uma qualquer polícia de Estado de um regime autoritário ou totalitário. A influência da extrema-direita não tem apenas impacto político, um impacto que corrói as instituições democráticas e o Estado de direito. Essa influência corrói o carácter das pessoas, degrada-as moralmente, impõe-lhe deveres que qualquer pessoa moralmente sã terá vergonha de cumprir. Uma das vantagens que a democracia liberal tem, perante qualquer outro regime, é que não obriga as pessoas a actos heróicos e a correr riscos existenciais para poderem manter a dignidade moral. E será isso que a possível lei obrigará aos funcionários públicos, caso estes não queiram sentir-se com seres moralmente abjectos.

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Discriminação pela idade

Um estudo acabado de publicar da Fundação Francisco Manuel dos Santos mostra que são os mais jovens que sentem maior discriminação, devido à idade, nos locais de trabalho (aqui). Este tipo de estudos lida com percepções e não com uma observação dos factos. São mais indicativos do estado de espírito de quem responde do que da realidade efectiva. 

Uma das hipóteses que se podem colocar para explicar este sentimento por parte das novas gerações pode residir nas elevadas expectativas que são criadas socialmente - a retórica da geração mais bem preparada, a ideia de que os mais novos são mais criativos e inovadores - e o real desempenho nas empresas. 

Durante muito tempo, desvalorizou-se as pessoas com mais idade, o facto de não serem suficientemente maleáveis perante as inovações, a suposta incapacidade de se adaptarem aos novos tempos. O mais plausível é pensar que tanto o endeusamento das novas gerações como a diabolização das mais velhas eram exagerados. 

Muitos destes exageros se devem à retórica política e a práticas políticas que tendem, na formação escolar das novas gerações, a eliminar obstáculos e dificuldades, criando nelas uma ilusão sobre aquilo que irão encontrar ao abandonar os bancos das escolas e das universidades. A discriminação sentida pelos mais jovens pode ser apenas o resultado da frustração perante uma realidade para a qual, devido à orientação das políticas educativas, não foram preparados.

domingo, 11 de agosto de 2024

A resposta de Israel

Parece evidente que a resposta de Israel ao ataque do Hamas de 7 de Outubro de 2023 é, tendo em conta os mortos e os reféns feitos pelo movimento palestiniano, completamente desproporcional. Esta desproporcionalidade pode significar, na perspectiva dos dirigentes israelitas, uma punição de tal grandeza que desencoraje novas aventuras do Hamas. No entanto, outra linha de leitura sublinhará que o ataque do Hamas, do ponto de vista simbólico, foi tão devastador para o Estado israelita quanto está a ser a resposta do exército de Israel. Feriu de morte o mito da segurança das populações de Israel. A dimensão da resposta israelita deve ser lida, e ler não é legitimar ou justificar, tendo em conta a devastação das certezas em que viviam os habitantes de Israel. Mais do que o número de vítimas, são as múltiplas camadas de significação que o ataque do Hamas encerra que explicam a dureza do comportamento de Israel.

sábado, 10 de agosto de 2024

A questão catalã

Um estranho aparecimento e um estranho desaparecimento são as últimas acções do líder separatista catalão Carles Puigdemont. A sua situação de exilado político reflecte duas questões fundamentais. Uma de natureza constitucional e outra de natureza ideológica. A questão ideológica centra-se no confronto entre dois nacionalismos, o castelhano e o catalão. De certo modo, equivalem-se no seu radicalismo. O problema constitucional relaciona-se com a impossibilidade de se efectuar um referendo que permita aos catalães dizerem aquilo que querem. Em países democráticos, isso não deveria acontecer. 

No Canadá, a região francófona pôde pronunciar-se e dizer se queria continuar ou separar-se do Canadá. O mesmo aconteceu no Reino Unido com os escoceses. A democracia falou e, talvez não por acaso, ambos os projectos independentistas perderam. Provavelmente, seria isso que aconteceria na Catalunha, até porque muitos dos catalães de hoje vêm de outros lados de Espanha. Percebe-se que países autocráticos, e que sonham com impérios, não permitam que as pessoas se pronunciem. Isso não deveria acontecer em países democráticos, como se pensa que a Espanha é.

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

O PSD da oposição e o PSD do governo

Luís Montenegro pede tempo para resolver os problemas do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Na verdade, os problemas que assolam o SNS não se resolvem de um momento para o outro, pois são complexos e dependem de variáveis que nenhum governo controla. O problema, porém, é que o PSD, na oposição, com a ajuda das Ordens que tinham dirigentes que lhe estavam próximos, sempre achou que resolvia os problemas da Saúde de um momento para o outro, e desvalorizava, quando não fazia guerra, os passos que o governo anterior ia dando. Chegado à governação, desfez o que estava estava em andamento e tornou pior o que já estava com problemas. Todos os partidos na oposição possuem soluções extraordinárias, que se evaporam assim que chegam ao governo. Contudo, o PSD é aquele que na oposição leva a farsa mais longe. Basta recordar o que dizia Passos Coelho sobre os impostos antes de chegar ao governo e o que fez mal lá chegou.

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Dois ministros

Não é indiferente do ponto de vista ideológico haver um governo de centro-direita ou de centro-esquerda. Há coincidência em pontos importantes, mas também, noutros pontos importantes, existem acentuadas clivagens, sejam quais forem as áreas, talvez com excepção da política externa. No entanto, a qualidade dos ministros também é fundamental e não apenas a orientação ideológica. No actual governo, pode-se, desde já, perceber que o Ministro da Educação, Fernando Alexandre, parece muito mais competente do que a Ministra da Saúde, Ana Paula Martins. O responsável da pasta da Educação não se preocupou em desfazer o que vinha de trás, mas em resolver problemas, tomando decisões de acordo com os meios disponíveis. Na Saúde parece passar-se exactamente o contrário. Enquanto num lado percebe-se a existência de um caminho, no outro a confusão aumenta todos os dias. Na verdade, as pessoas contam e nem todos são fadados para ministros.

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

A crise inglesa

Há um equívoco na leitura feita por muitos órgãos de informação sobre o problema dos desacatos provocados pela extrema-direita em Inglaterra. Sugerem que as mobilizações feitas se devem a uma notícia falsa propalada pelas redes sociais. Se assim fosse, o esclarecimento da verdade teria acabado de imediato com os desacatos. Ora, o que aconteceu, depois dos esclarecimentos prestados sobre a autoria do ataque, é que a desordem se intensificou. O triplo homicídio de crianças, uma delas portuguesa, foi a gota de água que as forças de extrema-direita inglesa estavam à espera. Se não fosse esse acontecimento seria outro qualquer. A expressiva votação no Reform UK, de Nigel Farage, 14% dos votos expressos, deveria ter alertado para o crescimento na população de sentimentos extremistas, os quais, mais tarde ou mais cedo, dariam cobertura a este tipo de desordem. É plausível que em Inglaterra esteja a crescer o racismo e a xenofobia e é esse crescimento que sustenta o comportamento da extrema-direita.

terça-feira, 6 de agosto de 2024

O teatro orçamental

A pressão para o actual líder do PS, Pedro Nuno Santos, aprovar o próximo orçamento de Estado vem um pouco de todos os lados (aqui). Contudo, há que ler este drama sem qualquer ilusão. O orçamento de Estado de 2025 pouco conta para a trama teatral. O que está em jogo, da parte do governo, é conseguir uma janela de oportunidade para chegar a eleições em vantagem suficientemente clara que permita aspirar a uma maioria absoluta ou em conjunto com a IL. Ora, o comportamento dos socialistas é simétrico. Deixarão passar o orçamento se isso lhe convier. Se, por um acidente de percurso, tiverem eles a janela de oportunidade para almejar uma clara vitória eleitoral, não hesitarão em votar contra o orçamento. Este ficará nas mãos do Chega e das contas que este fizer ao seu futuro eleitoral. Todo o resto é encenação para fortalecer a posição de cada partido.

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

A selecção dos refugiados

Cindy Ngamba, uma pugilista nascida nos Camarões, ganhou a primeira medalha olímpica para a sua selecção. Não a dos Camarões, mas a dos refugiados. Esta selecção olímpica representa a nação dos que perderam a nação. O facto de o Comité Olímpico Internacional ter aberto esta possibilidade mostra que o problema dos refugiados, daqueles que tiveram de fugir do seu país, é um problema que não pode ser varrido para debaixo do tapete. Não apenas devido aos regimes políticos que geram a massa dos refugiados, mas também aos problemas políticos que emergem nos países de acolhimento desses mesmo refugiados.

domingo, 4 de agosto de 2024

Uma pugilista, política e ciência

Um sinal claro de que a política, tal como ela foi entendida durante muitos anos, mudou é o debate em torno da pugilista argelina Imane Khelif. A dimensão política do caso não se refere tanto à posição da Argélia em defesa da sua atleta, mas ao debate nas redes sociais - a voz do povo - em torno da identidade efectiva de Imane Khelif. É um debate que divide conservadores e liberais, estando parte significativa dos primeiros, na verdade os mais ruidosos e empolgados, absolutamente certos de que a atleta é transgénero. Até ao momento não existe qualquer prova de que a atleta o seja, mas provas são coisas que pouco contam para quem tem certezas absolutas.

Plausivelmente, podemos pensar que a tipificação idealizada do masculino e do feminino seja isso mesmo, uma idealização. Talvez o masculino e o feminino façam parte da mesma linha, na qual se poderão encontrar diferentes modalidades de ser homem ou mulher, havendo homens mais próximos de serem mulheres e mulheres mais próximas de serem homens. Isto, porém, é um representação impressionista e a questão é, na verdade, de natureza científica. Que ela se tenha tornado uma questão política - e uma questão política de primeira grandeza no debate social - significa que o conhecimento nos traz problemas muito desagradáveis para as certezas que nos guiavam.

Desde o momento que o homem começou a desenvolver mecanismos de investigação científica fundados na observação da realidade, a visão que o homem comum tinha do cosmos, da natureza e de si mesmo tem sido mostrada como falsa. Enquanto a investigação tocou nas concepções do universo, na compreensão da natureza, o homem comum - aquele que, nos dias de hoje, nas redes sociais, sabe tudo - não se sentiu ameaçado. Quando, porém, o conhecimento começa a desencantar as representações míticas que se tem da natureza humana, esse homem comum sente-se em pânico e reage com violência, tanto verbal como física.

Desde o século XVII, embora aqui com alguns limites, a ciência tem vivido em relativa tranquilidade. Mesmo o facto de ter permitido produzir a bomba atómica não assustou o homem comum. Quando ela se centra na natureza humana, quando olha para ela como um qualquer outro objecto de investigação, esse homem comum reage e esta reacção ganha contornos políticos. Ao politizar-se aquilo que é da ordem do conhecimento, caminha-se para o momento em que a ciência, toda ela, pode ser posta em causa. O medo que o homem tem de descobrir qual a sua verdadeira natureza e a impossibilidade de suportar a sua realidade, ao transformar-se em programa político, pode trazer ao mundo um novo período de perseguição da ciência e do conhecimento.

sábado, 3 de agosto de 2024

Destruir a Constituição

A novela da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao caso das gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria pouco tem que ver com o apuramento da verdade. Está em causa um ataque às instituições democráticas e, nos últimos desenvolvimentos, à Presidência da República. A tentativa de levar o Presidente da República a depor numa CPI seria uma espécie de golpe de estado constitucional. Ora, as forças que o pretendem fazer estão muito pouco interessadas na defesa da Constituição. Trabalham para a destruir.

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

A sombra de Gouveia e Melo

Segundo uma sondagem da Intercampus para o Correio da Manhã (aqui) só Gouveia e Melo faria alguma sombra a uma eventual candidatura presidencial de António Guterres. Seria, na direita, o candidato melhor colocado. Como não é plausível que António Guterres se candidate, parece haver um largo horizonte para uma candidatura vitoriosa de Gouveia e Melo. Ora, se isso acontecer, estamos perante uma imagem sombria da nossa vida política. Por um lado, porque os militares, numa democracia saudável, devem permanecer afastados da política. Isto seria um retrocesso que nos levaria ao tempo das duas primeiras eleições presidenciais, pós 25 de Abril, nas quais eram militares as principais figuras na disputa pela presidência. Em segundo lugar, sublinharia, mais um vez, a dificuldade dos portugueses em aceitar uma visão civilista do poder político. Gouveia e Melo não deu qualquer prova de competência política - e não tinha que dar, pois não é político - e aquilo que o tornou uma personagem pública, organizar a distribuição das vacinas no tempo da pandemia, não nos diz nada sobre a sua competência política. Por fim, a sua candidatura seria um projecto político meramente pessoal, a que, eventualmente, os partidos políticos da direita se teriam de submeter. Ora, conhece-se muito pouco ou nada do pensamento político de Gouveia e Melo. O que poderá um homem de acção, como deve ser todo o militar, querer de um cargo político que tem poucos poderes que permitam agir?

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Médio Oriente e teologia política

O Médio Oriente está crucificado por duas posições maximalistas. O grande Israel e a Grande Palestina. Qualquer uma destas grandezas implica o desaparecimento da outra. Para piorar a situação, cada uma delas tem por detrás uma narrativa religiosa legitimadora. Não se trata de chegar a acordos razoáveis, mas de realizar uma visão absoluta de um destino, um destino traçado por Deus. 

Sempre que para assuntos humanos é invocado o nome de Deus pode-se esperar o pior, isto é, a entrega da situação ao diabo e a transformação da vida dos homens num inferno. Nada pior do que misturar teologia e política. Resta saber se, na verdade, é possível separá-las. Pelo menos, no Médio Oriente, onde o espírito que move as partes - mesmo parte substancial de Israel - é o da teocracia.

quarta-feira, 31 de julho de 2024

Paulo Macedo

O poder é um cimento que solidifica as relações nas famílias políticas. Luís Montenegro que estava a caminho de ser devorado pelo seu partido recebeu o poder caído do céu aos trambolhões. Por enquanto, e com a perspectiva de aprovação do próximo orçamento, Montenegro pode dormir sossegado. Imaginemos, porém, que a governação, devido à falta de apoio no parlamento, começa a colapsar. O PSD terá alguém para o cargo de primeiro-ministro que consiga penetrar no eleitorado? 

Há um nome que parece viver oculto no mundo da política, nem se sabe sequer se tem ambições nessa área, mas tudo o que faz é feito com êxito. Paulo Macedo pôs o Fisco a funcionar, foi um competente Ministro da Saúde e livrou a Caixa Geral de Depósitos dos sarilhos que a incúria e irresponsabilidade políticas a colocaram. Pode não ser um comunicador extraordinário, mas também Cavaco Silva não o era. Se Paulo Macedo decidisse entrar a sério na política não teria dificuldade em ter a direita a seus pés e, plausivelmente, parte substancial do país. Muito provavelmente seria um excelente primeiro-ministro. 

terça-feira, 30 de julho de 2024

PCP e Venezuela

O PCP saúde a reeleição de Nicolás Maduro e o processo democrático na República Bolivariana da Venezuela (aqui). Não se trata de uma ingenuidade. O PCP sabe muito bem que aqueles resultados são inverosímeis e que a República Bolivariana é tudo menos uma república democrática. Esta solidariedade dos comunistas portugueses com a ditadura venezuelana é uma afirmação da sua visão do mundo e, na verdade, daquilo que desejam para Portugal. Não admira que os portugueses tenham reduzido o PCP, na Assembleia da República, a um pequeno partido, enclausurado numa fé que a realidade desmente a cada instante e perante a qual a generalidade dos portugueses professa um ateísmo contumaz.

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Na Venezuela, tudo como dantes

Como se esperava, o resultado das eleições na Venezuela é obscuro, com as duas partes  a reclamarem vitória, tendo o Conselho Nacional Eleitoral atribuído a vitória a Nicolás Maduro. Contudo, esta atribuição tem credibilidade nula, pois a norma, num regime autoritário, é de que quem está no poder ganha. E se lhe faltarem votos para isso, eles logo aparecerão. A Venezuela não iria ser uma novidade. Tudo como dantes.

domingo, 28 de julho de 2024

Trump diz ao que vem

Se os norte-americanos elegerem Trump e este acabar com a democracia, ninguém pode dizer que o candidato não deu sinais suficientes daquilo que pretendia fazer. Ora, o apoio que tem não mostra apenas o apoio a um candidato à Presidência, mostra que parte substancial do eleitorado dispensa a democracia, o trabalho de ir votar e de ser governada pela lei. A democracia parece ter cansado as pessoas e, pior, traz sempre a hipótese de o governante eleito pensar de um modo diferente. Para essa parte do eleitorado americano um despotismo fundado na arbitrariedade de um chefe é mais atraente do que o jogo regulado pela lei e com um módico de racionalidade. Trump, esse não esconde o que quer e ao que vem.

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Outro tipo de populismo em França

Continuemos com o populismo de esquerda. Vale a pena ler o artigo O problema Mélenchon, de Jorge Almeida Fernandes, no Público. Os resultados eleitorais em França redundaram numa grande confusão. Nenhuma força política tem uma maioria que a sustente no governo. A vitória da Nova Frente Popular é muito curta para ter qualquer veleidade para aplicar, por inteiro, o seu programa. Ora, Jean-Luc Mélenchon reivindica, desde o início, a aplicação total do seu programa. Na verdade, ele é um populista, cujo adversário principal está longe de ser a senhora Le Pen. Aquilo a que Mélenchon e a sua França Insubmissa se opõe com unhas e dentes é ao Presidente Macron e aos liberais. 

O mais sensato seria a coligação vencedora negociar um programa de governação com as forças apoiantes de Macron, um programa que resolvesse alguns problemas que suportam o apoio popular à extrema-direita, um programa em que liberais e socialistas, de vários matizes, cederiam, sem que nenhuma das partes tivesse de perder a face. Em nome da República, do Estado de direito e da democracia liberal. O grande obstáculo parece ser Mélenchon e o conflito que uma certa esquerda tem com o adjectivo liberal da democracia. Veremos se a vitória das esquerdas unidas não irá redundar numa pesada derrota.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

A Venezuela e o populismo

O caso da Venezuela é um exemplo paradigmático do populismo de esquerda. Começou com Chávez e continuou com Maduro, que, perante a iminência de perder as eleições, mesmo quando controla o poder, ameaça com um banho de sangue. É importante perceber que o problema não começou com Maduro, mas com Chávez, o qual foi aproveitando o apoio popular para ir destruindo a democracia e o Estado de direito. A democracia não se resume ao voto, mas implica o Estado de direito, a separação de poderes, a independência das forças armadas e de segurança relativamente aos partidos políticos, bem como uma imprensa livre e o respeito pelas oposições. O exemplo da Venezuela serve para alertar que a ameaça populista não vem apenas da direita, embora os populismo de direita estejam particularmente activos. Também pode vir da esquerda. Seria bom que Maduro perdesse as eleições, saísse sem atropelos e que ao populismo bolivariano não sucedesse um de sinal contrário.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Os jogos olímpicos e o ideal liberal

Estamos a dias da abertura oficial dos Jogos Olímpicos, mas algumas competições já começaram, como o futebol ou o râguebi de sete. Há uma mitologia em torno do ideal olímpico e dos esforços do Barão de Coubertin. Contudo, e apesar da inspiração nas olímpiadas gregas, os actuais Jogos Olímpico transportam uma visão moderna e de natureza liberal. O seu ideal é o da paz entre as nações, uma espécie de encarnação da paz perpétua kantiana. Os jogos desportivos seriam o outro lado do comércio mundial nessa prossecução de uma paz entre toda a humanidade. Como temos percebido nem o comércio entre as nações nem os jogos desportivos, entre eles os Jogos Olímpicos, têm conseguido assegurar a paz entre os homens. A realidade é mais tenebrosa que os nossos desejos. Seja como for, sempre podemos pensar que as bandeiras olímpicas são o símbolo desse ideal de uma paz perpétua que, numa caminhada infinita,  a humanidade acabará por realizar. Representam, mesmo se manipulados por interesses políticos, um princípio de esperança.

terça-feira, 23 de julho de 2024

Salvar a democracia

Kamala Harris talvez não seja a candidata com que muitos democratas sonhariam. Contudo, é a que parece mais bem colocada para disputar a eleição e qualquer hesitação pode sair muito cara, e não apenas ao Partido Democrata. Como Biden disse Temos ainda de salvar esta democracia. O tom apocalíptico não é, infelizmente, deslocado. E não se trata apenas de salvar a democracia americana, mas, muito plausivelmente, a democracia um pouco por todo o mundo, tais são as ameaças que sobre elas impendem e que uma vitória de Trump seria uma luz verde para muitos candidatos a déspotas avançarem.

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Trump e os deuses

Donald Trump, ao saber da desistência de Joe Biden, afirmou que Kamala Harris será mais fácil de derrotar (aqui). É aqui que se abre um pequena janela de esperança para as democracias. Até agora protegido pelos deuses, talvez a húbris, cuja manifestação nunca descura, irrite esses mesmos deuses, e estes decidam punir a sua desmedida. Há em Trump, na sua entourage e no trumpista comum a profunda convicção de que a eleição está ganha. Veremos se os deuses estarão pelos ajustes e continuarão a proteger o narcisismo de quem está apostado em tornar o mundo numa grande confusão. 

domingo, 21 de julho de 2024

Iniciativa Liberal, dois equívocos

A Iniciativa Liberal, no actual momento, vive fundada em dois equívocos. Um conjuntural e outro estrutural. O equívoco conjuntural diz respeito à sua liderança. Desde o primeiro momento e devido à sombra do auto-afastado líder Cotrim Figueiredo, Rui Rocha mostrou ser o homem errado num lugar para o qual não tem, como se tem visto, talento. Um erro de casting. O equívoco estrutural diz respeito ao seu posicionamento político, vincadamente à direita, tão à direita que dissidentes do partido não têm qualquer pudor em enfileirar na extrema-direita. Os partidos liberais europeus são tendencialmente centristas e podem coligar-se com a esquerda, como acontece, neste momento, na Alemanha, onde os liberais estão no governo com os sociais-democratas (irmãos dos socialistas portugueses) e os verdes. Seria inimaginável em Portugal.

sábado, 20 de julho de 2024

O diálogo sobre o orçamento

Aguiar Branco, Presidente da Assembleia da República, elogia o diálogo em torno do próximo orçamento do Estado (aqui). Contudo, é preciso não ter qualquer ilusão. O diálogo existe porque tanto o governo como a oposição não têm qualquer interesse em provocar a queda do executivo e a convocação de novas eleições. Ir-se-á assistir à encenação de múltiplos dramas, tanto de um lado como de outro, para fingir que não se tem medo de eleições, mas ninguém, entre os grandes partidos, as quer. O PSD e o PS porque sabem que poucas alterações haverá na relação de forças entre os dois partidos. O Chega porque começa a desconfiar que numa próxima eleição verá reduzido o seu grupo parlamentar. Portanto, o diálogo existente não é um exercício de virtude, mas o retrato dos temores que habitam a consciência dos principais partidos. 

segunda-feira, 15 de julho de 2024

O atentado e a política de acesso livre a armas

Especula-se bastante sobre as consequências eleitorais do atentado contra Donald Trump. Essas consequências são previsíveis, a vitória do candidato republicano, a não ser que exista um milagre. Especula-se menos no atentado como a consequência de uma política, uma política muito específica. Trata-se do fácil e livre acesso às armas. Se os EUA tivessem uma política de restrição do acesso a armas sofisticadas, como acontece nos países europeus, continuaria a ser possível que o atentado tivesse ocorrido, mas a probabilidade dessa ocorrência seria muito menor. Pensar, porém, que aquilo que aconteceu a Trump o leve, em caso de ser eleito, a reconsiderar a permissão do livre acesso a armas, algum ganho haveria. Contudo, isso seria esperar outro milagre. 

domingo, 14 de julho de 2024

Tiros contra a democracia

Uma tentativa de homicídio contra Donald Trump era o que o mundo democrático menos precisava. É irrelevante que aquele que fez os disparos contra o candidato republicano estivesse inscrito como republicano, que as razões pertençam ao foro interno dos republicanos. O facto importante é que Trump vai beneficiar, perante o eleitorado, do estatuto de vítima e isso será mais um trunfo na sua corrida presidencial. Em democracia, a violência contra aqueles que a querem pôr em causa nunca funciona a favor dos que defendem a democracia. A democracia liberal fundamenta-se na interdição de qualquer tipo de violência política para resolução de problemas políticos.

sábado, 13 de julho de 2024

Que bom governante se é, na oposição

Quando se está na oposição, governar bem é a coisa mais fácil, e o governo em funções não o faz por manifesta incompetência, a qual, como se sabe, se deve a uma falha ontológica, isto é, à natureza dos governantes. O PSD, na oposição, resolvia, se fosse governo, todos e quaisquer problemas do país. E os portugueses, uma parte, acreditou. O pior é quando se chega ao governo. O problema com as polícias agravou-se e agora são os médicos a mostrar que o melhor lugar para governar com êxito é estar na oposição. Para o lembrarem, seiscentos médicos de família escreveram à ministra (aqui). O PSD não é o único partido que é excelente a governar quando está na oposição, mas talvez seja o que governa radicalmente melhor na oposição. Agora, tem a realidade pela frente, e a realidade nunca é coisa agradável.

sexta-feira, 12 de julho de 2024

Um exemplo vindo de Espanha

O Vox, partido de extrema-direita espanhol, saiu dos governos de várias regiões espanholas, onde se encontrava coligado com o Partido Popular (direita democrática). O motivo é, na verdade, irrelevante e prende-se com o facto dos executivos, por iniciativa do PP, terem acolhido nas respectivas regiões algumas dezenas de menores migrantes não acompanhados, provenientes das Canárias, onde existia um excesso de migrantes para a capacidade de acolhimentos dessa região.

O que mais uma vez se prova é que estes partidos políticos não são parte da solução. A sua agenda radical, a sua incompatibilidade com a democracia liberal e os valores provenientes do humanismo e, mesmo, do cristianismo, torna-os forças oportunistas e com uma única finalidade, enfraquecer continuamente as instituições democráticas. O PP vê chegar ao fim um casamento que celebrou com entusiasmo, ao contrário do cônjuge que agora decretou o divórcio. 

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Defesa, sair da irresponsabilidade

Portugal vai aumentar o seu investimento na Defesa (Público). Durante décadas, a Europa ocidental leu a realidade geopolítica de um modo completamente enviesado. Confiou na tese liberal que sustenta que o desenvolvimento do comércio torna as nações pacíficas. Ora, esqueceu uma coisa central. Nem todas as potências, seja qual for a sua dimensão, se movem por dinheiro. Há outras motivações que conduzem as políticas externas das diversas comunidades. A afirmação do poder e a dominação do outro ou a expansão religiosa são exemplos que contrariam a visão dos países ocidentais. 

Foi preciso a guerra chegar à porta da União Europeia para se perceber no logro em que se tinha caído. Uma coisa é um país, ou comunidade de países, ser pacífico, outra totalmente diferente é descurar a sua defesa perante possíveis ameaças externas, mesmo que invisíveis. Os países da União Europeia, desde o fim da segunda guerra mundial, têm sido, em geral, pacíficos. Também têm sido irresponsáveis, pois confundiram pacifismo com impotência. Veremos se os esforços que agora se prometem serão suficientes para no futuro dissuadir agressões militares.

quarta-feira, 10 de julho de 2024

O PS e as presidenciais

Segundo uma notícia de hoje, Mário Centeno e António Vitorino são as figuras políticas com maior probabilidade de serem apoiadas, nas próximas eleições presidenciais, pelo Partido Socialista. São, por certo, pessoas estimáveis, mas estão longe de serem personalidades ganhadoras. É verdade que os candidatos naturais e ganhadores do PS estão ocupados com os seus compromissos internacionais. Tanto António Costa como António Guterres teriam sérias possibilidades de virem a ser eleitos. A sua indisponibilidade terá por consequência a entrega da Presidência da República à direita, o mais certo por dez anos. Ora, como se tem visto, não é inócuo ter um Presidente da República de direita ou de esquerda. O PR não é um árbitro do sistema político. Pela nossa constituição, é um jogador e um jogador, em certas circunstâncias, com muita influência no jogo. Talvez a esquerda fizesse bem em pensar seriamente a questão das presidenciais.

terça-feira, 9 de julho de 2024

A moderação dos moderados

Pedro Norton, no Público de hoje, tem um artigo com o interessante título Mais Keir Starmer, menos Mélenchon. O artigo comenta favoravelmente a recusa da direcção do Partido Socialista em participar numa edição à portuguesa de uma Frente Popular, como aquela que houve em França nas últimas eleições. Há contudo um problema neste tipo de reflexões a favor de opções políticas moderadas, opções virtuosas, mas que omitem alguns pormenores.

A questão que se deve colocar é a seguinte: Que razões levaram o eleitorado a desertar do centro político? A resposta não parece difícil. O centro político - tanto à direita como à esquerda - não teve em conta os anseios, preocupações e medos do eleitorado, e este entregou os votos aos radicais. Há políticas que seria necessário, como aconteceu outrora, que o centro as realizasse, mas há muito que o centro está hipotecado a uma visão do mundo que em vez de reforçar, em número e qualidade,  as classes médias, as destrói.

Estas eram a grande base de apoio dos partidos do centro. Como estes adoptaram políticas que atingiram os interesses do seu eleitorado, é plausível que este procure abrigo no alforge dos radicais. Sim, precisamos de políticos moderados, mas para fazer aquilo que se têm recusado a fazer e evitar que as pessoas, em desespero de causa, procurem soluções radicalizadas. Isto é, evitar a aplicação de opções de um liberalismo económico radical. Os moderados devem voltar a ser moderados.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

França, sensatez precisa-se

A estratégia política desenhada, há muito, por Macron teve agora o seu epílogo. Apostou em destruir a esquerda e a direita democráticas, substituir o centro tradicional por um centro de matiz liberal. As eleições de ontem mostraram o resultado. O centro esquerda está coligado, mas em minoria, com forças  de esquerda mais radicais, algumas a roçar o populismo. A extrema-direita, apesar da derrota, cresceu e é uma força política consolidada. Os liberais de Macron resistiram, mas não têm condições para formar governo, pois também foram derrotados. A solução política está longe de ser fácil e a França está à beira da ingovernabilidade, a não ser que, num passe de mágica, as forças do macronismo e as de esquerda encontrem a sensatez e a prudência suficientes para encontrar um caminho que possa evitar a deriva dos franceses para a extrema-direita. Talvez seja esperar demasiado da humanidade. A União Europeia pode respirar de alívio com a vitória da esquerda, mas veremos se a derrota da extrema-direita foi conjuntural ou estrutural.

domingo, 7 de julho de 2024

A doença francesa

Mais logo, saber-se-ão os resultados das eleições francesas. Uma coisa, porém, é certa. A democracia francesa está doente. Segundo uma notícia do Público, França prepara-se para uma noite de desacatos, mal sejam conhecidos os resultados eleitorais. Que umas eleições possam ser motivo de violência não é já um sintoma de uma doença é a própria doença. A invenção da democracia teve por uma das suas finalidades eliminar a violência política das sociedades. Quando a polarização política se exacerba até à ruptura entre as partes - ou entre os hooligans das partes, o que é a mesma coisa - é porque a doença está muito avançada.

sábado, 6 de julho de 2024

Forçar os limites constitucionais

A política de André Ventura de instrumentalização do descontentamento das forças de segurança e a relação equívoca existente entre membros das forças policiais e o seu partido são apenas um sinal, mais um, de que o Chega não hesita em tentar forçar os limites constitucionais. A existência do Chega não é explicável pela necessidade de melhorar o regime democrático. O que a explica é a tentativa de o destruir por dentro, exacerbando os conflitos e explorando todas as oportunidades para desgastar as instituições que asseguram, pela primeira vez de um modo pleno na nossa história, as liberdades dos portugueses. 

sexta-feira, 5 de julho de 2024

A eleição de Nigel Farage

As eleições no Reino Unido trouxeram uma retumbante vitória dos trabalhistas e uma humilhação eleitoral dos conservadores. Há um aspecto, porém, que está a ser pouco realçado. Trata-se da eleição de Nigel Farage, o líder do Partido Reformista. Nunca Farage tinha conseguido ser eleito para o parlamento britânico. Além disso, é possível que os reformistas tenham um conjunto de deputados, ainda que pequeno tendo em conta a dimensão do parlamento britânico, com algum significado. 

Isto, perante a dimensão da vitória do Labour, parece uma irrelevância. Ora, quem é Farage? É um demagogo muito competente, que fez do seu lugar de eurodeputado o púlpito de onde pregou, com não pouca eficácia, o Brexit. Ele é um dos responsáveis pela situação que o Reino Unido vive, mas é provável que sejam apenas os conservadores a arcar com a punição pelo descalabro que significou a saída do Reino Unido da União Europeia. 

Farage tem agora uma nova tribuna para espalhar a sua demagogia e está confiante de que em breve o suporte popular aos trabalhistas cairá, pois a situação social, económica e política do Reino Unido é bastante complexa e não se vai alterar de um dia para o outro porque o país mudou de maioria, de governo e de primeiro-ministro. O perigo para os trabalhista não virá apenas da oposição conservadora, mas do populismo de Farage e do seu partido.

quinta-feira, 4 de julho de 2024

EUA, os melhores e os piores anjos

Hoje, no X (ex-Twitter), Barack Obama escreveu que o 4 de Julho tem por objectivo celebrar a grande experiência que é a democracia americana. Ela nunca está garantida pois é sempre uma experiência, o que implica que se lute por ela, para que reflicta os melhores anjos da natureza humana e não os piores. A referência aos melhores anjos é uma citação do discurso de tomada de posse de Abraham Lincoln, em 1861. 

Estava-se num tempo terrível nos EUA, em Abril eclodiria aquilo que ficou conhecido pela Guerra de Secessão, que durou até 1865. Os melhores anjos acabaram por triunfar, mas os piores tiveram força suficiente para desencadear a guerra. O texto de Obama é um aviso e lembra que, mais uma vez, os piores anjos da nossa natureza podem trazer a desordem, a violência e a dor.



domingo, 30 de junho de 2024

Ainda haverá tempo?

Tudo indica que a extrema-direita francesa ganhe as eleições de hoje. As projecções à boca das urnas apontam para 34%. O que impressiona em todo este processo é que a ameaça não é de agora. Há muito que se assiste ao paulatino crescimento destas forças, sem que isso tenho levado, no campo democrático, a uma reflexão profunda sobre as causas. Os programas dessas forças foram-se mantendo fiéis aos hábitos ideológicos dos diversos partidos, enquanto o eleitorado se foi afastando do campo democrático e se foi fidelizando ao discurso radical. Cada vez é menos provável que a França e, por certo, a Europa consigam resistir a esta avalanche do radicalismo de direita. Parece que já é tarde.

sábado, 29 de junho de 2024

União das esquerdas

Está na moda, depois de vários desaires eleitorais, a ideia de uma união das esquerdas, ideia essa que recebeu mais combustível com a constituição em França da Nova Frente Popular. Será possível? A ideia é plausível, por exemplo, na disputa das câmaras municipais de Lisboa e do Porto. Eventualmente, a de mais uma ou duas grandes, para a nossa  dimensão, capitais de distrito. 

Uma frente popular à portuguesa não parece possível, pois há uma diferença significativa entre os socialistas e os partidos à sua esquerda, com a excepção do Livre. As pessoas não se lembram ou não sabem, mas mesmo nas últimas duas eleições - se aquilo eram eleições - no regime anterior, em 1969 e em 1973, não existiu essa convergência das oposições. A oposição apresentou-se dividida entre a CEUD, de influência socialista, e a CDE, onde a influência maior era a do Partido Comunista.

Poderão existir novas geringonças, inclusive com governos pluripartidários, mas isso representará sempre um acordo em que nenhuma linha essencial dos compromissos portugueses com a NATO e o projecto europeu será posta em causa. Tal como aconteceu em 2015. Claro que o fim da NATO e a implosão da União Europeia alterará os dados do problema, entrando-se numa era de turbulência que trará novas formas de lidar com a realidade, mas não é isso que neste momento está em causa.

sexta-feira, 28 de junho de 2024

O amor-próprio de Biden

Pode a cegueira de um homem arrastar não apenas um país, mas um modo de vida - isto é, uma forma civilizacional - para a ruína? Talvez possa. A cegueira de Joe Biden pode arrastar os EUA para uma grave crise democrática e, no balanço, levar também a Europa ocidental consigo. É verdade que as crises não se podem personalizar e não são o efeito de uma pessoa, mas o problema é diferente.

Biden devia ter tido a humildade de reconhecer que a defesa da democracia nos EUA e no mundo necessitava de alguém mais jovem, mais pujante e mais capaz de lidar com a crise que enfrentamos. O problema de Biden não é ele ser o desencadeador da crise, mas de ser impotente para a enfrentar. 

Retirar-se no fim do mandato por não se recandidatar, seria uma saída gloriosa. Retirar-se, como tudo aponta, por derrota às mãos de Trump é uma humilhação inútil e um acto de egoísmo que nem mesmo a um político se poderá perdoar. Um amor-próprio, o de Biden, não apenas inútil, como perigoso.

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Senis e não seniores

Há um sintoma que parece confirmar que os EUA são uma potência em decadência. Não se trata da economia, nem das questões militares ou de relações internacionais. Uma grande potência que tem como únicos candidatos elegíveis para a sua Presidência Joe Biden e Donald Trump só pode estar muito doente. Uma coisa é ter candidatos seniores outra é apresentar candidatos a roçar a senilidade. Uma sociedade que se revê nessas candidaturas deixou de pensar no futuro.

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Maus ventos de França

Os ventos vindos de França e que, saltando pelos Pirenéus, chegam até cá estão longe de ser os melhores. O centro político implodiu e o confronto eleitoral parece ser entre a extrema-direita do Rassemblement National de Marine Le Pen e a coligação que toma o nome de Nouveau Front Populaire, onde se coligam o centro esquerda, a esquerda e algum populismo de esquerda, cuja figura central é Jean-Luc Mélenchon e o seu partido La France Insoumise. O que se precisava neste hora era tudo menos um retorno ao ambiente político da primeira metade do século XX. O centro-direita, exterior ao partido de Macron, está completamente dividido, com gente a apoiar a extrema-direita, outros, como o ex-primeiro ministro Dominique Villepin, a abrir a porta para um apoio à Nouveau Front Populaire e outros sem saber o que fazer. O futuro da União Europeia começa a jogar-se em França no próximo domingo e os ventos não correm de feição.

terça-feira, 25 de junho de 2024

Para o que der e vier

Parece estar assegurada a escolha de António Costa para Presidente do Conselho Europeu (Público). Resta esperar pelas cenas dos próximos capítulos, como, por exemplo, o vazamento de mais escutas na comunicação social. O que está, há muito, em jogo é pura política, e em política vale tudo. Imaginemos que António Costa se lembra de apresentar a sua candidatura à Presidência da República. Não é plausível que o faça, ainda mais agora, mas, por certo, até lá o processo influencer estará aberto, para o que der e vier.

segunda-feira, 24 de junho de 2024

Psicopatas na política

João Carlos Melo, psiquiatra, é autor do livro Lugares escondidos da mente - do mais sombrio ao mais luminoso da mente humana. Fala de psicopatas (aqui). Descreve-os como pessoas malévolas, que não sentem culpa nem compaixão. Vivem entre nós, usando uma máscara, e algumas estão em lugares de poder. Diria que o poder - qualquer tipo de poder, mas, mais acentuadamente, o poder político - tem uma enorme capacidade de atracção deste tipo de personalidades. Basta olhar para a história, para os regimes políticos autoritários e totalitários e, de imediato, se descortina a presença de personalidades psicopatas.

A democracia liberal não é apenas uma forma de determinar quem governa sem passar pelo confronto violento. Representa também a possibilidade da avaliação moral dos candidatos ser um dado importante na escolha dos eleitores. No entanto, é apenas uma possibilidade e não uma condição necessária. Quanto maior é a polarização política, mais os eleitores se sentem atraídos por personagens políticas claramente psicopatas, as quais tudo fazem para intensificar essa polarização. Há uma sedução pelo mal que eles representam e que muitos eleitores esperam que façam cair sobre os do outro lado. 

Em política, o problema não reside apenas na existência de políticos de personalidade psicopata. Ele está, de forma mais acentuada, na atracção dos eleitores por essas personagens, destituídas de culpa e incapazes de compaixão. A partir de certa altura há uma fusão entre o político de personalidade psicopata e os eleitores que vão perdendo, movidos pela paixão política, a capacidade de se pôr no lugar do outro, de sentir culpa pelas suas opções ou de ter qualquer compaixão por quem pensa de modo diferente. E isto está a acontecer em muitas democracias, e Portugal não é uma excepção.

domingo, 23 de junho de 2024

Propostas interessantes do novo líder da JSD

Algumas propostas do novo líder da Juventude Social Democrata (aqui) mostram que os partidos democráticos, apesar de algum conservadorismo institucional e hábitos instalados de pensar a realidade social e política, têm capacidade de se abrir aos novos ventos sociais. Vale a pena sublinhar três dessas propostas. 

Em primeiro lugar, a limitação dos mandatos de deputados a três. Aquilo que se poderia perder em experiência acumulada devido a sucessivas reeleições seria compensado pela emergência de novos protagonistas, trazendo sangue novo e novas ideias sobre o país. Os próprios partidos seriam também beneficiários da proposta.

Em segundo lugar, uma ideia que desagrada aos três maiores partidos da Assembleia (PSD, PS e Chega). A existência de um ciclo nacional de compensação, de modo a que o número de representantes por partido se aproxime daquilo que os eleitores escolheram. Os grandes partidos beneficiam do actual sistema e elegem mais deputados do que aqueles que deveriam eleger se o número de deputados correspondesse ao número de votos.

Em terceiro lugar, a semana de quatro dias. A direita democrática precisa de romper com uma visão do trabalho e das relações entre trabalhadores e empresários marcada por uma concepção quantitativa do trabalho,. Não faz sentido que, com a evolução tecnológica, os horários de trabalho se mantenham quase inalterados. Há condições para que em muitos sectores se avance para os quatro dias de trabalho semanal e, paulatinamente, ir alargando esse horário a todo o mundo laboral. 

sábado, 22 de junho de 2024

O caso das gémeas brasileiras

O caso das gémeas brasileiras tratadas no hospital de Santa Maria é interessante a dois títulos. É interessante porque parece resultar de uma cadeia de cunhas, a qual se inscreve na cultura nacional. Este comportamento faz parte do modo como, há séculos, vivemos e parece estar inscrito naquilo que poderíamos chamar o ADN social dos portugueses, caso existisse um ADN social. É interessante também porque aquilo que está em jogo é mais do que apurar a verdade sobre quem meteu a cunha ou de onde partiu a sugestão da cunha, mas aproveitar a situação para fragilizar já não um partido político apenas mas a democracia. Seria interessante saber quantos dos indignados contra o regime por causa da cunha que favoreceu as crianças brasileiras nunca foram beneficiários de cunhas ou agentes promotores de cunhas. Não tenhamos ilusões, o que move aqueles que gritam indignados não é pôr fim à cultura nacional da cunha, mas pôr fim ao próprio regime democrático, para que eles e só eles possam gerir a distribuição das cunhas.

terça-feira, 18 de junho de 2024

O estranho caso da Madeira

Parece que a Madeira vai continuar em crise. Tudo aponta para que o programa de governo de Miguel Albuquerque seja chumbado na Assembleia Regional. O líder regional madeirense diz preparado para tudo, mesmo para ir de novo a eleições (aqui). A verdade é que ele não está preparado para a única coisa que devia estar preparado. Demitir-se, pois ele é o obstáculo à existência de um governo. 

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Um ataque terrorista desmantelado

A notícia de que a Guardia Civil (Espanha) desmantelou uma rede terrorista ligada ao Estado Islâmico que preparava um grande ataque contra contra o Real Madrid e os seus adeptos (aqui) é mais um sinal sobre uma realidade política que, por diversas razões, uma parte dos actores políticos - nomeadamente, à esquerda - se recusa a ver. Uma parte do Islão político, não diferençável do Islão religioso, está em guerra aberta contra o Ocidente. É verdade que os muçulmanos não são todos terroristas, nem serão a maior parte. Também é verdade, todavia, que o Islão contém em si uma legitimação para esta guerra e isso é um problema político sério. 

Aquilo que é hoje minoritário, pode ser amanhã um movimento de massas de grande amplitude contra o modo de vida ocidental. Foram os sectores democráticos de direita e de esquerda que entregaram à extrema-direita uma bandeira que lhe dá votos e que tem todos as possibilidades, nas mãos de extremistas, de criar grandes perseguições. Não há incompatibilidade entre as pessoas que praticam a religião muçulmana e os valores demo-liberais, mas parece haver uma clara incompatibilidade entre o Islão e esses valores.  O problema não é de fácil solução, mas os partidos democráticos terão de o enfrentar, pois se o não fizerem em alguns países da Europa, será a extrema-direita a fazê-lo.

domingo, 16 de junho de 2024

Política, a táctica e o empate

Estamos num período de suspensão do tempo. Isto significa que nada de essencial, do ponto de vista estratégico, será feito pelo governo. Por dois motivos. Por um lado, as oposições não permitirão. Por outro, o governo, sem uma maioria absoluta, não tomará as decisões que lhe estão na natureza porque sabe que isso teria consequências negativas em futuras eleições. A suspensão do tempo estratégico, ao nível político, deu lugar ao tempo da táctica. Governo e oposições empreenderão acções com vista a futuras eleições e não ao país. 

Montenegro acredita que é uma reencarnação de Cavaco. Pedro Nuno Santos está à espera de um milagre que lhe permita derrubar o governo e ser beneficiado nas eleições. Ora, o mais certo é que estejam ambos enganados. Nem Montenegro é Cavaco, pois não exerce a atracção que este exercia no eleitorado. Nem se vislumbra como poderá haver um acontecimento que permita a esquerda ter uma maioria e aos socialistas voltar ao governo. Com este jogo táctico, estão, na realidade, ambos os lados a jogar para o empate. Para empatar o país.

sábado, 15 de junho de 2024

Um populismo à esquerda

A Cáritas da Venezuela alertou hoje para o facto de cinco milhões de venezuelanos sofrerem de subnutrição. Esta é mais uma prova do fiasco do populismo, neste caso, o de de esquerda. A situação de catástrofe social a que os actuais governantes têm conduzido o país estava já inscrita na emergência do regime chavista e da chamada revolução bolivariana. O drama da Venezuela, como da generalidade dos países da América Latina, reside na incapacidade da moderação e do meio-termo. Vive entre os terrores da extrema-direita e as fantasias, por vezes tão terroristas como as de sinal contrário, da extrema-esquerda revolucionária. A incapacidade de encontrar consensos e produzir regimes políticos moderados, assente em democracias liberais e Estados de direito fortes, intensifica a pobreza da maioria e a existências de elites que concentram o dinheiro e o poder. Seja qual for a cor, o populismo, com as suas soluções mágicas e fantasiosas, é a porta aberta para a infelicidade de grande parte das pessoas que vivem sob os seus ditames.

sexta-feira, 14 de junho de 2024

O suicídio das democracias

Também as democracias se suicidam. A convocação de eleições antecipadas por Macron é, na realidade, uma tentativa de suicídio do regime democrático. Outra tentativa de suicídio é a recandidatura de Joe Biden à Presidência dos EUA. Em ambos os casos, a morte paira diante dos olhos. As duas democracias em vez de a afastarem para longe, parecem fascinadas por ela. Será. uma grande sorte que ambas as tentativas de suicídio falhassem. 

quinta-feira, 13 de junho de 2024

O 25 de Novembro, o Verão Quente e a rasura da história

Voltemos ao 25 de Novembro. É muito curioso que em toda esta discussão estejam rasurados acontecimentos fundamentais. Fala-se muito do Verão Quente de 1975, da deriva iliberal e da força do esquerdismo militar, que são factuais. Contudo, parece que entre o dia 25 de Abril de 1974 e o dia 25 de Novembro de 1975 não se passou mais nada senão a deriva iliberal e a captura do país pelo esquerdismo revolucionário. Ora, esta rasura dos factos históricos é interessante porque apaga uma parte da realidade, parte traumática para os defensores do 25 de Novembro como feriado nacional. O que vai abrir as portas para o delírio revolucionário são dois acontecimentos gerados pela extrema-direita, o 28 de Setembro e o 11 de Março. São eles, com a sua radicalização extremista  promovida por fiéis ao anterior regime ou pelo bonapartismo spinolista, que escancaram as portas à radicalização à esquerda. Sem o 28 de Setembro, mas, fundamentalmente, sem o 11 de Março, toda a deriva seguinte não teria tido portas abertas para se dar. Falar no PREC e no Verão Quente de 1975, sem ter em consideração o que as forças radicais mais à direita tentaram para evitar a consolidação de uma democracia liberal, é acreditar que as coisas se formam por geração espontânea.

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Os socialistas e o orçamento

Consta que os socialistas estão divididos sobre se devem abster-se ou votar contra o próximo orçamento do Estado. Tendo em conta os dados actuais - pode ser que se alterem até à votação, embora nada o indique - se o PS achar que ele e a esquerda no seu conjunto têm deputados a mais, então o melhor é mesmo provocar uma crise e receber a recompensa nas urnas. A questão é meramente pragmática. Um voto contra o orçamento da AD aproxima ou afasta os socialistas do poder? Na maré de atracção dos eleitores pelas direitas, tudo indica que afasta. Se for esse objectivo, então é racional votar contra o orçamento e derrubar o governo. A direita agradece.

terça-feira, 11 de junho de 2024

Em França, a direita rende-se

Voltemos a França. Éric Ciotti, líder de Les Républicans (LR), um partido da tradicional direita democrática e europeísta francesa, anunciou que o seu partido se coligaria, para as próximas eleições legislativas, com o Rassemblment National (RN), de Marine Le Pen (aqui). A direita democrática está a ser devorada pela direita radical e nacionalista e, o que resta, está a render-se. 

O que está em jogo na política francesa já não é a questão da distribuição de rendimentos, problema que dividia direita e esquerda. O que está em causa são duas outras coisas. Por um lado, o conflito entre defensores de uma democracia liberal e do Estado de direito e defensores de, pelo menos, uma iliberalização da democracia e fragilização do Estado de direito. Por outro, o conflito entre os defensores da União Europeia e os defensores do soberanismo nacional e desmantelamento da União Europeia (aqui).

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Os números da derrota da esquerda

Os tempos estão adversos para os projectos de esquerda. O sinal mais espantoso disso foi a alegria com que o PS, o BE e o PCP receberam os resultados das eleições de ontem. O PS ganhou, mas perdeu um deputado. O BE e o PCP elegeram os respectivos cabeças de lista, mas ambos perdem um deputado. Quando a alegria é de alívio, estamos perante uma situação particularmente difícil. O PS perde 160 mil votos, o BE perde mais de 157 mil votos e o PCP (CDU) mais de 65 mil votos. Tudo isto (perda no total da esquerda de mais de 382 mil votos, embora haja que matizar um pouco essa perda, já que o Livre sobe quase 88 mil votos, por tanto uma perda de quase 300 mil votos) numas eleições em que houve um acréscimo de quase 635 mil votos. Ou a esquerda percebe as causas pelas quais os eleitores lhe estão a virar as costas ou pode estar perante uma longuíssima travessia do deserto. 

domingo, 9 de junho de 2024

O terramoto francês

O terramoto em França teve efeitos devastadores. Ainda continua a contagem de votos, mas as forças claramente alinhadas com o projecto europeu - os liberais de Macron, os socialistas, os republicanos e os verdes - somam, de momento, pouco mais de 41% dos votos. A extrema direita, somando a do partido da senhora Le Pen e o da sobrinha, Marion Maréchal, têm cerca de 37%. A convocação de legislativas pode tornar Paris, de novo, o epicentro de outro e mais doloroso terramoto, que abalará os fundamentos da construção europeia. 

sábado, 8 de junho de 2024

Atacar políticos, a nova moda

Está a tornar-se uma moda atacar políticos. Ontem foi a vez da primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen (aqui). O primeiro caso ocorreu na Alemanha a 3 de Maio (aqui) e com o de ontem são já quatro, em pouco mais de um mês. O efeito de contaminação parece ser grande e corre-se o risco de uma epidemia. Estes casos são, porém, apenas um sintoma do mal que corrói as democracias ocidentais. Forças cada vez mais poderosas apostam em romper consensos e polarizar a vida política até que esta deixe de ser a concorrência, democraticamente regulada, pelo exercício do poder, entendido como serviço à comunidade, para se tornar uma luta entre amigos e inimigos, isto é, uma guerra civil larvar. É preciso não esquecer que estes ataques são não apenas actos criminosos, mas também actos políticos.

sexta-feira, 7 de junho de 2024

A esquerda e a imaginação.

Carmo Afonso tem hoje um artigo interessante no Público. Trata da incapacidade dos partidos de esquerda, como o PCP e o BE, de atrair eleitorado, apesar da solidez política dos seus candidatos. A questão residirá em que a generalidade das pessoas que trabalham por conta de terceiros não se considera como trabalhadora, mas como pertencendo à classe média, apesar de ter uma vida e rendimentos que a colocam muito abaixo da classe média. Quando votam, fazem-no não por aquilo que são, mas por aquilo que desejavam ser. Votam segundo as representações fantasiosas que têm do seu lugar na sociedade. Este fenómeno não é apenas português. Ele está presente em todas as democracias ocidentais.

O equívoco da articulista não reside no diagnóstico, bastante adequada, que faz, mas no que diz acerca das causas e dos candidatos. Uma frase resume o equívoco: O problema não está nas causas e não está nos candidatos. A primeira questão que se deve pôr é a seguinte: para que servem bons candidatos e boas causas, se os eleitores não se sentem por eles motivados? Isto mostra que uma parte da esquerda, o caso não se aplica ao Partido Socialista e, eventualmente, ao Livre, não percebeu uma coisa. As pessoas não se sentem dignificadas por serem trabalhadoras. Elas pretendem livrar-se da sua condição e aquilo que a esquerda lhe oferece é a manutenção da sua condição, mesmo se melhor remunerada e reconhecida.

Essa esquerda nunca percebeu que, a partir de certa altura, as pessoas não votam por aquilo que que são, mas por aquilo que desejam ser e por aquilo que querem para os filhos e para os netos. Fundamentalmente, o seu voto funda-se na imaginação e não na razão. Ora, a esquerda descurou a imaginação, o imaginário daqueles que diz defender, e entregou-o à direita, seja à direita clássica, com as suas variantes conservadoras e liberais, seja à extrema-direita, cujo imaginário se adapta ao ressentimento de muitos trabalhadores que desejam ser outra coisa do que são. O que Carmo Afonso não equaciona é o esgotamento do discurso da esquerda, a sua falta de imaginação e o desacerto, cada vez maior, entre as suas causas e as causas dos eleitores que ela pensava pertencer-lhe pela condição de classe.

quinta-feira, 6 de junho de 2024

O drama do IRS

O drama em torno do IRS, com a rejeição da proposta da AD e a aprovação da do PS, pouco tem que ver com os contribuintes. Na verdade, o alívio fiscal proposto pelo governo para os três escalões mais elevados do IRS era irrisório e os escalões mais baixos, beneficiados pela proposta do PS, têm um alívio também ele diminuto. Todos sabem que as contas públicas não permitem aventuras fiscais. Portanto, o que aconteceu e o drama que se lhe segue relaciona-se apenas com a questão do poder. 

O governo pensa ganhar votos apresentando-se com o papel de vítima. As oposições pensam fazê-lo mostrando que o governo é incapaz de gerar consensos para aprovar medidas que julgue serem benévolas. A realidade é que o governo depende da Assembleia da República e nunca conseguirá impor uma medida contra ela. Portanto, ou negoceia caso a caso, ou estabelece um acordo com um partido que lhe dê uma maioria ou vitimiza-se perante medidas que são estranhas ao seu programa, esperando que os eleitores se compadeçam dos seus infortúnios. 

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Os jovens e a extrema-direita

Um artigo de Teresa de Sousa, no Público, reflecte, com dados provenientes do Politico, sobre a atracção exercida pela extrema-direita nas novas gerações. Fundamentalmente, sobre os jovens do sexo masculino. As raparigas, contudo, estão mais inclinadas para a esquerda. Existem diversas causas para que os rapazes e jovens adultos se sintam inclinados para o extremismo de direita. Duas causas parecem fundamentais. Por um lado, os homens são animais territoriais e como tal, a partir da presença de uma certa percentagem de pessoas consideradas cultural e etnicamente estranhas, os discursos anti-imigração encontram eco nessa animalidade territorial. Por outro, o fim, pelo menos ideológico, do papel de dominação dos homens sobre as mulheres e o triunfo destas em todas as áreas, a começar pela académica, está a causar não apenas ansiedade, mas uma cada vez menos escondida raiva. Os rapazes e jovens adultos parecem incapazes de se adaptar a um novo mundo onde a presença do estranho é constante e em que a visão da masculinidade tradicional está em crise. Daí, a sua adesão à retórica anti-imigração. Daí, o fomento entre eles de uma cultura machista e que, por norma, vem acompanhada de um desprezo pelas liberdades e direitos das mulheres. Encontram na extrema-direita a representação para a sua ansiedade e raiva. Fundamentalmente, para a sua insegurança. E é esta insegurança a chave que permite perceber por que razão os jovens do sexo masculino aderem às teses extremistas e radicais dessas direitas. 

terça-feira, 4 de junho de 2024

Um novo partido liberal

Desde que foi dada à luz a Iniciativa Liberal (IL), sempre pensei que muitas daquelas pessoas, caso tivessem vivido nos anos 70, teriam sido militantes dos partidos marxistas-leninistas e maoístas. Marxistas-leninistas e maoístas de ontem e liberais de hoje possuem a mesma pesporrência, a mesma rigidez ideológica e parecem crer que a sua ideologia não é uma ideologia mas a verdade sobre o homem, a sociedade, a economia e a vida. Há, em ambos os campos, uma visão cátara da realidade. Isto é, estamos perante visões religiosas da política, em que a ideologia é sentida como teologia, uma teologia dogmática.

Para confirmar a proximidade, chegou a notícia do projecto de um novo partido liberal, o Partido Liberal Social (PLS), promovido por dissidentes da IL (Público), o qual será, segundo os criadores, um partido verdadeiramente fiel aos princípios liberais, que terão sido, por certo, atraiçoados pelo partido liberal existente. Este tipo de acontecimento e de retórica é em tudo idêntico ao que acontecia nas velhas organizações de extrema-esquerda, que estavam, constantemente, em cisão, em busca dos mais verdadeiros e mais puros princípios marxistas-leninistas e maoístas. Os homens são seres religiosos, e quando expulsam a religião pela porta, ela entra pela janela.

segunda-feira, 3 de junho de 2024

México, Presidente no feminino

Pela primeira vez na sua história, os mexicanos elegeram uma mulher, Claudia Sheinbaum, para Presidente da República (Público). O mero facto de uma mulher ser eleita presidente é, por si só, um acontecimento político de relevo. Uma porta foi aberta. Além disso, Claudia Shienbaum é uma cientista do clima e defende um desenvolvimento sustentável, o que parece promissor. Outra curiosidade é que ela vai suceder López Obrador, pertencendo ao mesmo partido, o que significa uma vitória para a esquerda, num tempo em que esta acumula derrotas, um pouco por todo lado.

domingo, 2 de junho de 2024

Imigração e extrema-direita

Francisco Assis, candidato pelo PS ao parlamento europeu, considerou que sem imigrantes a economia entrava em colapso. A afirmação é plausível. Ora, um dos motivos para o crescimento da extrema-direita na Europa é, precisamente, a imigração. Seria interessante saber, porém, quantos empresários são ao mesmo tempo beneficiários da mão-de-obra imigrante e financiadores da extrema-direita.

Talvez a história da relação da imigração e da extrema-direita esteja a ser mal contada. O que está em causa será menos a presença de imigrantes do que os direitos que estes possam ter. Por certo que existirão muitos empresários europeus que querem imigrantes para trabalhar nas suas empresas, mas com reduzidos direitos laborais. A extrema-direita, com a sua retórica anti-imigração, será, na verdade, a voz deste empresariado que suporta mal a existência de mão-de-obra com direitos sociais e laborais.

sábado, 1 de junho de 2024

O caso da candidatura do Livre à Europa

O notável e notado afastamento do líder do Livre, Rui Tavares, da campanha de Francisco Paupério, cabeça de lista do partido às europeias, torna patente não apenas o afastamento entre ambos, mas os equívocos que o método de escolha de deputados adoptado pelo partido de Rui Tavares implica. Este caso adiciona-se ao de Joacine Katar-Moreira e torna, mais um vez, patente que aquilo que parece ser uma boa ideia se pode transformar numa arma contra a própria organização. 

Os partidos políticos são organizações centradas na conquista do poder (mesmo que seja um poder relativamente diminuto como eleger um deputado ou um eurodeputado), o que exige um consenso mínimo nas equipas políticas. As directas para a escolha de deputados trazem sempre riscos acrescidos de ruptura dentro de uma organização. E isso é ainda mais claro em pequenos partidos como o Livre, os quais podem ser facilmente capturados por visões políticas muito diferentes das do partido. Imagina-se, facilmente, que Rui Tavares tema a repetição, agora no parlamento europeu, do caso Joacine ou dos seu próprio caso quando, no mesmo parlamento, cortou com o BE, pelo qual tinha sido eleito.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

O caso BWS na Alemanha

BSW (Bündnis Sahra Wagenknecht - Vernunft und Gerechtigkeit, em português Aliança Sahra Wagenknecht - Razão e Justiça: aqui) é a sigla de um novo partido político alemão (fundado já em 2024), situado na área da esquerda radical ou da extrema-esquerda. Para além da curiosidade da designação do partido se centrar no nome da sua líder, o notável é o seu crescimento e, segundo alguns analistas, ter capacidade para diminuir a atracção dos eleitores pela AfD, partido alemão de extrema-direita, que segue em segundo lugar nas intenções de votos (aqui).

Se a alternativa à direita radical é esquerda radical, então muito mal têm andados os partidos de centro-esquerda e centro-direita. Fiéis a uma visão política marcada pelo neoliberalismo - no caso alemão, pelo ordoliberalismo - estão a alienar o seu eleitorado tradicional e, ao mesmo tempo, os valores da democracia liberal, reforçando os extremos e criando condições para grande instabilidade política. Este é mais um caso em que o liberalismo radicalizado dos partidos do centro está a matar o espírito liberal e de convivência civilizada entre diferentes visões ideológicas do bem comum.

quinta-feira, 30 de maio de 2024

Transparência nas doações aos partidos

Um artigo do Público mostra que, na Europa, três quartos do dinheiro dado aos partidos políticos tem origem desconhecida. Ao autorizarem este estado de coisas, as democracias correm um risco sério de permitir que inimigos financiem partidos políticos que visam destruí-las. Permitem, também, que não se perceba qual a finalidade do dinheiro doado, consonância ideológica ou prática de corrupção. Também aqui as democracias se limitam a si mesmas no combate a um dos flagelos dos sistemas políticos, democráticos ou não. Por uma questão de transparência, as doações aos partidos políticos deveriam ser de uma absoluta transparência, consignada na lei. Transparência que pode ser desagradável para doadores e receptores, mas seria um contributo sólido para a saúde das democracias.

terça-feira, 28 de maio de 2024

Madeira e a derrota da esquerda

Voltando às eleições da Madeira. Elas representam, em toda a linha, uma derrota para a esquerda. O PS tem, apesar da situação de arguido de Miguel Albuquerque, um crescimento irrelevante, que representa mais uma derrota do que uma vitória. PCP e BE desaparecem do parlamento regional e o Livre é uma inexistência. Pode-se pensar que a Madeira nunca foi um terreno fácil para a esquerda. É verdade, mas não é tudo. A esquerda sofreu uma derrota dolorosa nas últimas legislativas. Pode-se perguntar se essa derrota é conjuntural ou estrutural. 

Olhando para o que se passa noutras paragens, é plausível pensar que seja estrutural. Isso não significa que exista uma lei social que evidencie um inexorável afastamento da esquerda do poder. Significa que o actual conjunto de ideias e causas da esquerda são pouco mobilizadoras do eleitorado e não respondem aos anseios deste. Os eleitores estão a dizer à esquerda que ela precisa de reformular os seus programas, as causas que a movem e até o modo como age. Contudo, os directórios dos partidos de esquerda parecem não compreender o problema e movem-se, num território cada vez mais adverso, como sonâmbulos.

segunda-feira, 27 de maio de 2024

A Madeira e a alternância no poder

Independentemente do que venha a acontecer, seria uma óptima notícia, tendo em conta a saúde democrática, que o PSD, na Madeira, passasse para a oposição. Uma democracia saudável implica a alternância no poder. Este é, aliás, um dos dados sempre presente para avaliação dos regimes democráticos. Uma coligação alargada entre PS, JPP, CDS, PAN e IL poderia ser uma solução. A nível nacional, isso seria impossível, mas a governação das regiões autónomas, pelos limites inerentes ao próprio poder regional, é menos atreita às decisões ideologicamente motivadas. A acontecer, o que não prevejo, isso seria uma ajuda a tornar a democracia na Madeira mais adulta e mais próxima dos padrões normais de uma democracia.

domingo, 26 de maio de 2024

Nacionalismo e Europa

Mesmo pessoas com grande experiência de acompanhamento dos fenómenos políticos, por vezes, parecem que não estão a compreender a fundo o que significa o crescimento dos partidos de extrema-direita nacionalista na União Europeia. Veja-se o que diz um analista experimentado como Francisco Sena Santos (aqui): Está em causa, na escolha nos 27 países dos 720 eurodeputados, que a Europa continue ou não a adotar medidas verdes e azuis de combate às alterações climáticas, mitigação dos efeitos e avanço da transição energética.  Também em causa a orientação nas políticas sobre acolhimento de migrantes, o posicionamento sobre interrupção de gravidez e questões de género e até mesmo o relacionamento com Putin. São problemas reais e importantes. Contudo, o que está em jogo é muito mais decisivo do que isso. O crescimento dos nacionalismos é uma ameaça para a paz entre europeus. A União Europeia, nas suas diversas designações históricas, tem sido uma muralha contra a guerra, um exercício político contínuo de construção da paz na Europa. Os nacionalismos, como aconteceu durante o século XX, e já antes, no XIX, têm poder para arrastar os povos para conflitos e, nas actuais circunstâncias geopolíticas, tornar a Europa num território apetecível para aqueles que nunca, na verdade, desistiram de a dominar. O problema colocado pela extrema-direita não é apenas de políticas internas ou climáticas, mas de natureza existencial. Eles podem ser a chave para que o continente europeu deixe de ser aquilo a que nos habituámos nos último séculos.