Carmo Afonso tem hoje um artigo interessante no Público. Trata da incapacidade dos partidos de esquerda, como o PCP e o BE, de atrair eleitorado, apesar da solidez política dos seus candidatos. A questão residirá em que a generalidade das pessoas que trabalham por conta de terceiros não se considera como trabalhadora, mas como pertencendo à classe média, apesar de ter uma vida e rendimentos que a colocam muito abaixo da classe média. Quando votam, fazem-no não por aquilo que são, mas por aquilo que desejavam ser. Votam segundo as representações fantasiosas que têm do seu lugar na sociedade. Este fenómeno não é apenas português. Ele está presente em todas as democracias ocidentais.
O equívoco da articulista não reside no diagnóstico, bastante adequada, que faz, mas no que diz acerca das causas e dos candidatos. Uma frase resume o equívoco: O problema não está nas causas e não está nos candidatos. A primeira questão que se deve pôr é a seguinte: para que servem bons candidatos e boas causas, se os eleitores não se sentem por eles motivados? Isto mostra que uma parte da esquerda, o caso não se aplica ao Partido Socialista e, eventualmente, ao Livre, não percebeu uma coisa. As pessoas não se sentem dignificadas por serem trabalhadoras. Elas pretendem livrar-se da sua condição e aquilo que a esquerda lhe oferece é a manutenção da sua condição, mesmo se melhor remunerada e reconhecida.
Essa esquerda nunca percebeu que, a partir de certa altura, as pessoas não votam por aquilo que que são, mas por aquilo que desejam ser e por aquilo que querem para os filhos e para os netos. Fundamentalmente, o seu voto funda-se na imaginação e não na razão. Ora, a esquerda descurou a imaginação, o imaginário daqueles que diz defender, e entregou-o à direita, seja à direita clássica, com as suas variantes conservadoras e liberais, seja à extrema-direita, cujo imaginário se adapta ao ressentimento de muitos trabalhadores que desejam ser outra coisa do que são. O que Carmo Afonso não equaciona é o esgotamento do discurso da esquerda, a sua falta de imaginação e o desacerto, cada vez maior, entre as suas causas e as causas dos eleitores que ela pensava pertencer-lhe pela condição de classe.
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