quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

PCP, os limites da mudança

No Público de hoje há uma interessante análise de Manuel Carvalho sobre o Partido Comunista Português (aqui). Defende a tese de que o PCP é um partido duas vezes fora do tempo. Uma primeira, negativa, porque não teve capacidade de se adaptar a um mundo que está muito longe daquele em que o comunismo nasceu e para o qual pretendia ser uma solução. Uma segunda, positiva, porque a sua atitude cordata e razoável contrasta com a gritaria instalada na vida política, onde a polarização rouba discernimento aos actores com a esperança de contaminar os votantes. Esta visão de Manuel Carvalho dá uma ideia de imutabilidade do PCP. Parece-me, contudo falsa. Haverá um outro problema.

Desde a transição à democracia em 1974, mas talvez já antes, o PCP usou uma estratégia oposta àquela que fez uma das glórias do romance de Tomasi di Lampedusa, O Leopardo. Aqui, a ideia era que a mudança seria necessária para que tudo ficasse na mesma. Os comunistas portugueses fizeram exactamente o contrário. Deram sempre a ideia de um conservadorismo ideológico inamovível, mas foram mudando muito ao longo do tempo. Foi assim que deixaram de ser uma partido revolucionário e se tornaram, na prática, num partido social-democrata. Foi assim que de críticos da democracia burguesa se tornaram num dos principais defensores da democracia liberal. Para que as coisas mudem, é necessário que pareça que ficam na mesma. Quem no campo político melhor compreendeu o fenómeno foi António Costa. Quando parte para a geringonça, ele sabe que o PCP não representará qualquer obstáculo à política social-democrata do PS.

O problema desta estratégia é que ela tem limites e o PCP parece tê-los atingido. Já não pode mudar mais sem ter que quebrar as aparências. Chegou, já há algum tempo, o momento em que não basta que a realidade do PCP mude, é necessário que a sua aparência também mude. Mas mudar a aparência é confessar que o património ideológico se tornou uma relíquia no museu da História. Pior do que isso, é correr o risco de o partido se liquefazer, como aconteceu com outros partidos comunistas europeus. O problema do PCP não é se continua ou não comunista, mas como pode sobreviver no momento em que reconhecer que, na verdade, já não é, há muito, comunista. 

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