As posições da extrema-direita e da direita radical, as únicas forças políticas em expansão, assentam numa contínua falsificação da realidade. É a partir desta falsificação que se constroem narrativas que exploram descontentamentos que são transformados, primeiro, em ressentimento, depois, em raiva, até que explodem como ódio. Uma ilusão persistente em muitos sectores demoliberais é de que as pessoas fascinadas por essas forças se desradicalizariam ao serem confrontadas com os factos que desmentem as narrativas extremistas. O problema é que os factos não interessam a quem se radicalizou politicamente. Existe mesmo um efeito curioso. Quanto mais se torna patente a falsidade de uma certa narrativa, mais as pessoas a defendem. O problema reside na questão da identidade. O que as forças extremistas e radicais de direita estão a conseguir, como nenhumas outras, é que as pessoas reconstruam a sua identidade pessoal no interior de uma identidade mítica de natureza política. Ora, cada demonstração da falsidade da narrativa constitutiva dessa identidade mítica de natureza política é sentida não como uma contestação através de factos de uma visão política, mas como um ataque pessoal. A verdade é sentida, por quem se radicalizou, como uma ameaça aquilo que é e, como tal, uma ameaça à sua identidade e a si mesmo. O talento da extrema-direita e da direita radical é o de transformar, para utilizar a linguagem do filósofo Jason Brennan, hobbits, sujeitos passivos em política, em hooligans, sujeitos toxicamente activos, incapazes de aceitar outros pontos de vista. Estamos perante um abismo e não sabemos lidar com ele.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.