Um conflito entre o cantor Pedro Abrunhosa e o Bloco de Esquerda (BE) (aqui) torna patente um problema de política de propriedade da linguagem. O conflito surge devido ao slogan de campanha do BE, Fazer o que nunca foi feito, ter semelhanças com um título de um tema do cantor, Fazer o que ainda não foi feito. Abrunhosa considera que há uma "apropriação indevida da propriedade intelectual alheia". Apresentou queixa na Sociedade Portuguesa de Autores.
O problema não está na semelhança entre as duas expressões linguísticas. Ambas as frases, além de correntes no uso dos falantes, inscrevem-se no domínio da retórica política e são tomadas como tendo o mesmo conteúdo semântico, podendo considerar-se equivalentes. O problema, porém, não é semântico, linguístico ou mesmo retórico.
O problema reside no facto de as duas expressões serem usos triviais da língua portuguesa, que qualquer português usa e usava ainda antes de Pedro Abrunhosa ter nascido. Se o facto de um autor mobilizar para título de uma obra uma expressão trivial da língua o torna proprietário da expressão, então alguma coisa de muito errado existe no código de propriedade intelectual. A língua não é um conjunto de palavras e de regras gramaticais, é também o uso que a comunidade de falantes faz dela, no qual se cristalizam inúmeras expressões de que ninguém é proprietário.
Imagine-se que alguém escreve um livro, lhe dá o título Isso não é boa ideia e regista o livro e o título numa sociedade de autores. A partir daí passa a ser detentor da propriedade intelectual de uma expressão que não inventou? Que ninguém mais pode, sem infringir a propriedade intelectual, usar essa expressão como título de qualquer tipo de obra, slogan político ou publicitário? A consequência da pretensão de Pedro Abrunhosa, caso ela esteja escudada na lei e ainda mais se o não estiver, parece absurda.
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