sexta-feira, 31 de maio de 2024

O caso BWS na Alemanha

BSW (Bündnis Sahra Wagenknecht - Vernunft und Gerechtigkeit, em português Aliança Sahra Wagenknecht - Razão e Justiça: aqui) é a sigla de um novo partido político alemão (fundado já em 2024), situado na área da esquerda radical ou da extrema-esquerda. Para além da curiosidade da designação do partido se centrar no nome da sua líder, o notável é o seu crescimento e, segundo alguns analistas, ter capacidade para diminuir a atracção dos eleitores pela AfD, partido alemão de extrema-direita, que segue em segundo lugar nas intenções de votos (aqui).

Se a alternativa à direita radical é esquerda radical, então muito mal têm andados os partidos de centro-esquerda e centro-direita. Fiéis a uma visão política marcada pelo neoliberalismo - no caso alemão, pelo ordoliberalismo - estão a alienar o seu eleitorado tradicional e, ao mesmo tempo, os valores da democracia liberal, reforçando os extremos e criando condições para grande instabilidade política. Este é mais um caso em que o liberalismo radicalizado dos partidos do centro está a matar o espírito liberal e de convivência civilizada entre diferentes visões ideológicas do bem comum.

quinta-feira, 30 de maio de 2024

Transparência nas doações aos partidos

Um artigo do Público mostra que, na Europa, três quartos do dinheiro dado aos partidos políticos tem origem desconhecida. Ao autorizarem este estado de coisas, as democracias correm um risco sério de permitir que inimigos financiem partidos políticos que visam destruí-las. Permitem, também, que não se perceba qual a finalidade do dinheiro doado, consonância ideológica ou prática de corrupção. Também aqui as democracias se limitam a si mesmas no combate a um dos flagelos dos sistemas políticos, democráticos ou não. Por uma questão de transparência, as doações aos partidos políticos deveriam ser de uma absoluta transparência, consignada na lei. Transparência que pode ser desagradável para doadores e receptores, mas seria um contributo sólido para a saúde das democracias.

terça-feira, 28 de maio de 2024

Madeira e a derrota da esquerda

Voltando às eleições da Madeira. Elas representam, em toda a linha, uma derrota para a esquerda. O PS tem, apesar da situação de arguido de Miguel Albuquerque, um crescimento irrelevante, que representa mais uma derrota do que uma vitória. PCP e BE desaparecem do parlamento regional e o Livre é uma inexistência. Pode-se pensar que a Madeira nunca foi um terreno fácil para a esquerda. É verdade, mas não é tudo. A esquerda sofreu uma derrota dolorosa nas últimas legislativas. Pode-se perguntar se essa derrota é conjuntural ou estrutural. 

Olhando para o que se passa noutras paragens, é plausível pensar que seja estrutural. Isso não significa que exista uma lei social que evidencie um inexorável afastamento da esquerda do poder. Significa que o actual conjunto de ideias e causas da esquerda são pouco mobilizadoras do eleitorado e não respondem aos anseios deste. Os eleitores estão a dizer à esquerda que ela precisa de reformular os seus programas, as causas que a movem e até o modo como age. Contudo, os directórios dos partidos de esquerda parecem não compreender o problema e movem-se, num território cada vez mais adverso, como sonâmbulos.

segunda-feira, 27 de maio de 2024

A Madeira e a alternância no poder

Independentemente do que venha a acontecer, seria uma óptima notícia, tendo em conta a saúde democrática, que o PSD, na Madeira, passasse para a oposição. Uma democracia saudável implica a alternância no poder. Este é, aliás, um dos dados sempre presente para avaliação dos regimes democráticos. Uma coligação alargada entre PS, JPP, CDS, PAN e IL poderia ser uma solução. A nível nacional, isso seria impossível, mas a governação das regiões autónomas, pelos limites inerentes ao próprio poder regional, é menos atreita às decisões ideologicamente motivadas. A acontecer, o que não prevejo, isso seria uma ajuda a tornar a democracia na Madeira mais adulta e mais próxima dos padrões normais de uma democracia.

domingo, 26 de maio de 2024

Nacionalismo e Europa

Mesmo pessoas com grande experiência de acompanhamento dos fenómenos políticos, por vezes, parecem que não estão a compreender a fundo o que significa o crescimento dos partidos de extrema-direita nacionalista na União Europeia. Veja-se o que diz um analista experimentado como Francisco Sena Santos (aqui): Está em causa, na escolha nos 27 países dos 720 eurodeputados, que a Europa continue ou não a adotar medidas verdes e azuis de combate às alterações climáticas, mitigação dos efeitos e avanço da transição energética.  Também em causa a orientação nas políticas sobre acolhimento de migrantes, o posicionamento sobre interrupção de gravidez e questões de género e até mesmo o relacionamento com Putin. São problemas reais e importantes. Contudo, o que está em jogo é muito mais decisivo do que isso. O crescimento dos nacionalismos é uma ameaça para a paz entre europeus. A União Europeia, nas suas diversas designações históricas, tem sido uma muralha contra a guerra, um exercício político contínuo de construção da paz na Europa. Os nacionalismos, como aconteceu durante o século XX, e já antes, no XIX, têm poder para arrastar os povos para conflitos e, nas actuais circunstâncias geopolíticas, tornar a Europa num território apetecível para aqueles que nunca, na verdade, desistiram de a dominar. O problema colocado pela extrema-direita não é apenas de políticas internas ou climáticas, mas de natureza existencial. Eles podem ser a chave para que o continente europeu deixe de ser aquilo a que nos habituámos nos último séculos.

sábado, 25 de maio de 2024

A urbanidade democrática

Há, num artigo sobre o ambiente actual na Assembleia da República (aqui), uma revelação curiosa. Nuno Magalhães, em tempos líder da bancada do CDS, diz ter feito um acordo com o líder da bancada comunista. Esse acordo previa que a bancada centrista não se referia ao PCP e ao BE como extrema-esquerda e estas bancadas não se referiam ao CDS como extrema-direita. Este acordo é interessante por dois motivos. Em primeiro lugar, porque o epíteto de extrema-direita ou extrema-esquerda é usado, muitas vezes, não como classificação cientificamente adequada de certa força política, mas como arma de arremesso político. Na verdade, nem o CDS era ou é de extrema-direita, nem o BE e o PCP eram ou são de extrema-esquerda. Em segundo lugar, o acordo é interessante porque mostra que é possível conflituar politicamente sem ser necessário acusar o outro lado daquilo que não é. O facto de o CDS, um dia, ter deixado de colocar BE e PCP nos extremos e de estes terem feito o mesmo ao CDS não significa que passaram a ter visões próximas do que é bom para o país, mas que entenderam que a urbanidade democrática deve impedir catalogações falsas e, na verdade, perversas. Isto não significa que não exista, neste momento, uma autêntica extrema-direita no parlamento, mas esse é outro assunto.

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Governo em campanha

Durante algum tempo, o governo andou a proclamar que as contas herdadas do anterior governo não eram assim tão certas. Estava a preparar uma narrativa que o libertasse de alguns compromissos eleitorais - provavelmente, irresponsáveis. Na Europa, porém, não foram na conversa sobre a situação do país. O governo, mudou de rumo, e voltou às suas promessas. Reduzir receitas fiscais e aumentar despesas. Por certo, estas opções são estratégicas e visam aumentar a o espaço eleitoral. Depois, há que criar uma situação que leve a oposição a chumbar o orçamento de Estado e provocar eleições. A esperança é a de alcançar - embora, não se imagine como - uma maioria absoluta, para que o verdadeiro programa possa vir ao de cima. Até agora nenhum tema conflitual foi abordado e dificilmente será. Resta saber quanto tempo as finanças públicas suportarão a estratégia governamental. Imagine-se que os socialistas se abstêm na votação do próximo orçamento. O governo precisa de continuar em campanha eleitoral mais um ano ou, então, voltar à realidade e, em vez de ganhar espaço eleitoral, começar a perder eleitorado. 

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Cabeças-de-lista às eleições europeias

Dos concorrentes - falo dos cabeças-de-lista - às eleições europeias, o mais articulado é João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal. Associa essa articulação a uma capacidade de comunicação e clareza discursiva bastante boa e, ainda, à ausência de qualquer toque de arrogância. Seguem-se-lhe Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, e Sebastião Bugalho, da Aliança Democrática. São ambos bem articulados politicamente, com facilidade comunicacional, mas há em ambos, mais nele do que nela, um certo toque de arrogância, que nem sempre é fácil esconder. João Oliveira, da Coligação Democrática Unitária, apesar das inegáveis qualidades políticas, não consegue evitar o embraço causado pelas posições relativamente à Ucrânia, à NATO, à União Europeia e ao Euro. Fica perdido, quase afogado na linha oficial do partido. Marta Temido, Partido Socialista, Francisco Paupério, Livre, e Pedro Fidalgo Marques, PAN, são candidatos mais frágeis, menos estruturados politica e discursivamente. Tânger Correa, Chega, parece um erro de casting.

quarta-feira, 22 de maio de 2024

O conflito entre extremas-direitas

O partido da extrema-direita francês, Rassemblement National (União Nacional), de Marine Le Pen, pretende um cordão sanitário à volta do partido de extrema-direita alemão, Alternative für Deustschland (Alternativa para a Alemanha). Argumentam os franceses que as posições dos alemães são extremistas e intoleráveis. A leitura política desta posição centra-se na desejo da senhora Le Pen apresentar uma face mais moderada, tendo em conta a próxima corrida presidencial. Seria uma espécie de sacrifício de um peão, para tomar uma torre, usando uma metáfora xadrezística.

Deixando de lado as tácticas eleitorais, há uma coisa que deve ser pensada. O que acontecerá se ambos os partidos chegarem ao poder nos respectivos países? As velhas rivalidades franco-germânicas estarão de volta e, por certo, a União Europeia acabará. É preciso recordar que o projecto europeu foi gerado para dissolver essas rivalidades, que estão ligadas a duas guerras mundiais. O eleitorado europeu anda particularmente entusiasmado com os projectos nacionalistas. Já terá esquecido os muitos milhões de mortos que os nacionalismos europeus geraram.

terça-feira, 21 de maio de 2024

A questão das regiões

David Pontes, no Público, fala do enterro da regionalização. Esta está prevista na Constituição, mas até hoje foi impossível levá-la a efeito. A regionalização prevista na constituição, recorde-se, é administrativa e não tem como finalidade instituir, no continente, autonomias idênticas às que existem nos Açores e na Madeira. A sua inexistência é a prova da nossa imaturidade democrática.

Em primeiro lugar, as pessoas não querem as regiões porque elas implicariam a democratização dessas super-autarquias, com um parlamento regional e uma junta regional executiva. E os portugueses ainda não estão completamente conciliados com sistemas em que estão representados. Parecem preferir que as decisões sejam tomadas à sua revelia, por decisores nomeados e não eleitos e, por isso, irresponsáveis perante os cidadãos. É um sinal da nossa cultura antipolítica e ainda não totalmente democrática.

Em segundo lugar, a regionalização é descartada porque implica a existência de mais pessoal político. Um órgão deliberativo e um executivo. Há uma cultura de inimizade quase visceral aos que se dedicam à causa pública. Cultura para a qual também contribuíram, mas não foram os únicos, muitos eleitos, que confundiram - e confundem - o papel de servidores escolhidos nas urnas, que deveria ser o seu, com o de agentes de um poder de dominação, que julgam ser e que não cabe numa democracia.

Em terceira lugar, porque se desconfia que, instituídas as regiões, a barganha pelos dinheiros públicos iria pôr o Estado central em apuros, mesmo com regras claras e compreensíveis, podendo criar - embora, isso de momento, seja inverosímil - culturas políticas secessionistas.

Estas razões revelam uma cultura secular pouco habituada à distribuição do poder e um espírito democrático ainda imaturo, tanto da parte dos eleitores, como dos eleitos. As regiões administrativas seriam um solução racional para o desenvolvimento do território. Por exemplo, em Espanha, as próprias regiões, como a Galiza, estão regionalizadas. Contudo, no caso português, para que aí se chegue, será necessário que eleitores e eleitos amadureçam a sua cultura democrática e de responsabilidade política. Por agora, a regionalização está mesmo enterrada.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

O Irão e a importância da revolução iraniana

Segundo um especialista iraniano, a morte do Presidente do Irão é uma oportunidade para os conservadores endurecerem as suas políticas (aqui). Quando, em 1979, se deu a revolução iraniana, ninguém terá percebido a sua importância e o seu real significado. Isso parece manter-se verdade até aos dias de hoje. Na altura, o mundo estava ocupado com a Guerra Fria, o conflito entre os EUA e a URSS, e não tinha capacidade para acomodar o objecto bizarro que tinha emergido na antiga Pérsia. Depois, a Queda do Muro de Berlim toldou a mente dos ocidentais e encheu-os de ilusões sobre o triunfo do liberalismo mundial económico e político. É possível que nem os atentados do terrorismo islâmico tenham permitido perceber o que representou, na história do mundo, a revolução islâmica. A partir dela não cresceu apenas o apoio ao terrorismo islâmico, cresceu outra coisa. A intromissão da religião na política. Isso acontecia no mundo mulçumano, onde a Turquia funcionava como excepção, mas parecia que o mais natural é que isso desaparecesse. Hoje essa consciência é cada vez menor. A relação entre religião e política tornou-se ainda mais forte nos regimes muçulmanos, a própria Turquia abandonou o laicismo herdade de Kemal Atatürk. A Índia elege agora políticos que aliam o nacionalismo à religião e no mundo ocidental o peso da religião é cada vez maior na vida política, como se pode ver no Brasil, nos EUA ou, no Médio-Oriente de influência ocidental, em Israel. A Rússia não esquece de aliar os seus interesses geopolíticos a uma leitura religiosa do estado do mundo. Falta a contaminação da Europa, talvez por pouco tempo. A revolução iraniana é um momento decisivo do ataque contra os valores da modernidade e do Iluminismo no campo político, contra a separação do poder temporal da autoridade espiritual, contra a separação do Estado e do Templo.

domingo, 19 de maio de 2024

Percepção da corrupção e degradação das instituições

Segundo os portugueses, entre 60% e 70% daqueles que se dedicam à política - isto é, à causa pública - são corruptos (ver aqui). Este número fantasioso revela diversas coisas. Por um lado, a existência de uma contínua injecção na opinião pública dessa crença. Certos órgãos de comunicação social vivem da propalação de uma imagem generalizada dos políticos como seres corruptos, transformando os casos reais que surgem numa espécie de prática sistemática. Por outro, com a transição à democracia em 1974, os inimigos desta lançam continuamente essa imagem. Por fim, a cultura da inveja entre um povo relativamente pobre - se visto pelos padrões dos mais ricos - gera um ressentimento em relação aos que ocupam lugares de poder, como se estes fossem altamente compensatórios.

Mais do que a corrupção real, que existe, é a percepção da corrupção, pela sua natureza hiperbólica, que é uma ameaça para o regime democrático, pois, como muito bem sabia Salazar, em política, aquilo que parece real é real, mesmo que seja falso. O que impressiona, contudo, é a incapacidade dos grandes partidos em lidarem com o assunto e tomarem medidas efectivas que tornem transparentes todos os actos da governação, seja em que nível do Estado for. A transparência seria um passo decisivo para o combate às falsas percepções da realidade. Depois, a própria conduta dos eleitos deve pautar-se pela contenção e frugalidade, ser muito cuidadosa na gestão dos bens públicos e nas regras da imparcialidade nos negócios públicos. Não levar isto a sério é continuar a alimentar percepções erradas que degradam as instituições.

sábado, 18 de maio de 2024

A provocação adolescente e a indignação

Há uma acesa discussão sobre a liberdade de expressão. André Ventura decidiu, acerca do tempo de construção do novo aeroporto, fazer considerações sobre a disposição dos turcos para o trabalho. Os partidos de esquerda reagiram, o Presidente da Assembleia da República considerou que não lhe cabia fazer censura das considerações do líder do Chega. Em comentadores ligados à direita, Aguiar Branco é visto como o paladino da liberdade de expressão e a esquerda é tida como a eterna defensora do politicamente correto. À esquerda, o comentário é oposto. Os partidos de esquerda fizeram o seu papel ao denunciar o racismo expresso em Ventura e Aguiar Branco de ser conivente com esse racismo. Um drama que tapa, porém, uma outra questão. Melhor, duas.

Oculta a infantilidade das considerações de Ventura. As generalizações sobre povos - e os portugueses são objecto, em diversos lugares, de generalizações estereotipadas desagradáveis - parecem conversa de adolescentes mal saídos da infância, que ficam deslumbrados com o poder de desqualificação existente na linguagem. Duvido, como se pretende à esquerda, que se esteja perante um crime, mas não tenho dúvidas de que um representante do povo português deve evitar este tipo de linguagem. Sim, André Ventura, como qualquer deputado, representa o povo português e não apenas os eleitores que o elegeram. Ora, para além deste tipo de discurso adolescente, ou através dele, Ventura pretende lançar continuamente uma imagem negativa do parlamento. E isso não é por acaso. O que se pretende é a destruição das instituições democráticas. A sua defesa - perante, o problema que este tipo de intervenção corrosiva coloca - precisa de ser mais baseada na inteligência do que na indignação. A esquerda indignou-se, ficou de consciência tranquila, mas o mais plausível é que Ventura tenha saído reforçado na sua capacidade destrutiva. A esquerda precisa de pensar e não reagir como os cães na experiência de Pavlov.

sexta-feira, 17 de maio de 2024

O PS e o próximo orçamento

Parece que os socialistas mostram alguma abertura para viabilizar o próximo orçamento de Estado. Qual o significado político desta abertura? Apenas um. O PS, mesmo que ganhe as eleições europeias, não tem qualquer interesse em provocar eleições legislativas, pois sairia penalizado de uma nova ida às urnas. Os partidos políticos não são instituições de benemerência política. São dispositivos de conquista e manutenção do poder. Não há nenhum partido credível que aja por outro motivo que não o da conquista do poder. O PS mostrar-se aberto para viabilizar um novo orçamento significa que percebeu que a sua hora de retorno ao poder não está próxima. 

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Imigração, a Europa num beco sem saída

Mais um exemplo do paradoxo em que vivem os países europeus. O novo governo dos Países Baixos, do qual faz parte o partido da direita radical de Geert Wilders, pretende uma política migratória altamente restritiva (aqui). A evolução social e económica dos países europeus parece ter chegado a uma situação absurda. Por um lado, o enriquecimento da população teve duas consequências, a diminuição da demografia e a recusa por parte das populações, com níveis de formação elevados, dos empregos indiferenciados e mal remunerados. Para continuar a manter os níveis de vida alcançados, por outro lado, é necessária mão-de-obra estrangeira, que vem fazer aquilo para o qual já não há gente disponível. Essa força de trabalho só pode vir, no actual contexto, de culturas muito diferentes das europeias, o que choca com as identidades autóctones tradicionais e alimenta a retórica racista e xenófoba. Quanto maior for o crescimento económico, maior a necessidade de imigrantes. Quantos mais imigrantes, maior a contestação à presença desses imigrantes. Um beco sem saída.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Uma vitória do governo e de Montenegro

A rápida decisão do governo em relação à construção do novo aeroporto em Alcochete foi uma vitória política significativa. Depois de décadas de hesitações, avanços e recuos, em poucos dias foi tomada uma decisão. Para o eleitorado, pouco importa se o trabalho foi começado ou feito quase na integralidade por governos anteriores. O que fica na consciência do cidadão é a capacidade de decidir. E essa percepção poderá ajudar Luís Montenegro e o governo da AD a caminhar sobre o arame e permitir-lhes que cheguem a bom porto. Se o governo evitar a terrível tentação da vitimização - como no caso das Finanças - e der provas de que é capaz de decidir dossiês difíceis, os socialistas terão pouco espaço para embarcar numa aventura e derrubar o governo.

terça-feira, 14 de maio de 2024

Lançar o caos

Tem razão o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, quando acusa o Chega, por causa do processo contra o Presidente da República, de estar a fazer perder tempo à Assembleia da República e de querer lançar o caos nas instituições (aqui). O objectivo do Chega não é contribuir para a melhoria das instituições, nem para a um país melhor e governado de modo mais eficiente e transparente. O seu objectivo é mesmo lançar o caos como caminho para tomar o poder. O partido de André Ventura não joga o jogo democrático. Aproveita-se das regras da democracia liberal para a destruir.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

As fissuras na liberdade de expressão

A liberdade de expressão é um bem fundamental das nossas sociedades. Contudo, ele encerra possibilidades perversas. Um exemplo disso é reportado pelo jornal online Polígrafo: "Numa mensagem enviada ao Polígrafo, alega-se que o presidente da Câmara de Coruche prometeu casas à comunidade cigana "com medo de perder as eleições". Impossibilitado de cumprir o acordo por não ter vencido as eleições autárquicas, terá sido vítima de violência. Diz-se ainda que a GNR interveio, mas também foi alvo de agressões." Qual o problema com esta mensagem? É que ela é completamente falsa. Foi posta a correr para criar um certo ambiente com fins políticos evidentes. Mais do que isso, este tipo de mensagens, apesar da sua falsidade, tem um poder de persuasão muito maior do que o desmentido factual. Aquilo a que se está assistir, sem saber como lidar com isso, é que os direitos, liberdades e garantias estão a ser usados para criar um ambiente político que permita a sua abolição. As democracias estão a  mostrar-se impotentes para lidar com um discurso perverso, fundado em mentiras - quanto mais descaradas, mais eficazes, parece ser a realidade - para destruir essa mesma democracia. A esfera pública foi, em tempos, uma grande âncora dos regimes democráticos. Hoje, porém, tornou-se, devido às redes sociais, uma cloaca, como lhe chama Pacheco Pereira, apostada em afogar as democracias nos excrementos que os seus inimigos não param de fazer crescer.

domingo, 12 de maio de 2024

Haverá mercado eleitoral para o Livre?

Decorre este fim-de-semana um congresso do Livre. O partido fundado por Rui Tavares deu um salto nas últimas eleições. A questão é de saber se existe mercado eleitoral para uma proposta que parece entalada entre o PS e o BE. É possível que, paulatinamente, muitos votos do BE se desloquem para o Livre. As pessoas cansam-se do modo como o BE tem vindo a fazer a sua afirmação política, fincando-se sempre com uma sensação desagradável perante uma certa pesporrência comunicacional. O Livre, marcado por uma maior sensatez e cuidado no uso da linguagem, pode herdar uma parte desse eleitorado de esquerda. Resta saber se essa sensatez consegue penetrar num eleitorado pouco politizado. O Livre é, como o Chega, um partido, quer os seu militantes queiram ou não, unipessoal. Ventura oferece um lugar para o ressentimento falar e fazer-se ouvir. Haverá mercado eleitoral para o Livre? O que oferece o Livre às pessoas? É essa a questão que se deve colocar quando se tem ambição de se tornar um partido de governo.

sábado, 11 de maio de 2024

Imigração e municípios

O exemplo do Fundão na integração de imigrantes (aqui) é um sinal de que se está a ler bem o problema. Percebe-se que parte substancial do país (neste caso, do município do Fundão) morrerá sem imigração e que esta precisa de ser enquadrada e integrada devidamente. O que significa isto? Significa que as pessoas vindas de fora devem ser tratadas como pessoas. Este exemplo deveria inspirar o poder central para fomentar um maior empenho dos municípios na integração dos imigrantes. 

Há duas coisas que, perante o inverno demográfico nacional, são inúteis e perigosas. Por um lado, o discurso racista e xenófobo, a promoção de teorias da grande substituição, e, por outro, tratar os imigrantes como mera mão-de-obra, vendo neles apenas instrumentos económicos e não pessoas. Qualquer política de integração de imigrantes deve passar pelos municípios, que devem ser auxiliados pelo Estado central, que além disso deverá reconhecer as boas práticas e procurar a sua expansão a todo o território nacional. 

sexta-feira, 10 de maio de 2024

O inconsciente colectivo e as flutuações ideológicas

Em entrevista no Público, o investigador da Universidade de Oxford e autor de O Fim da VergonhaVicente Valentim, afirma: Tornou-se óbvio que a direita radical como ideologia funciona eleitoralmente. A questão a saber, como em qualquer outra crença do espectro ideológico, é a que necessidades e pulsões comunitárias essa ideologia da direita radical vem responder. Se se olhar para o actual panorama ideológico, percebe-se que a questão igualitária perdeu atracção na comunidade e a própria questão da liberdade individual parece em retrocesso. O combate político, com a sua contínua urgência, oculta aquilo que se move fundo no interior das comunidades e impede a compreensão das razões pelas quais uma comunidade - ou parte significativa dela - faz opções moralmente inaceitáveis ou mesmo repugnantes. Isto não se passa apenas com o actual fenómeno do crescimento da extrema-direita e da direita radical. A seguir ao 25 de Abril, os defensores do regime caído foram incapazes de perceber as pulsões igualitárias e liberais que existiam no interior da comunidade portuguesa e vieram ao de cima com o ruptura política. Para compreender estes fenómenos é inútil o recurso à moralidade. Será melhor tentar compreender aquilo a que se poderia chamar, usando noutro contexto o conceito de Jung, inconsciente colectivo, o inconsciente colectivo nacional.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

A União Europeia sitiada

Hoje, tornou-se claro que a União Europeia é um projecto político cercado por potências que, em última análise, são inimigas de uma Europa democrática. Segundo o Parlamento Europeu - nomeadamente, a sua Presidente, Roberta Metsola - são diversos países que tentam condicionar o voto dos europeus através da desinformação, tentando mesmo fazer eleger deputados de extrema-direita favoráveis a essas potências e inimigos da Europa democrática. Segundo o Parlamento Europeu, o principal problema vem de potências como a Rússia e a China, mas também de países como a Turquia, Marrocos, Sérvia, Catar, Emirados Árabes Unidos (ver aqui). A União Europeia viveu durante décadas centrada numa visão liberal da geopolítica, onde os negócios seriam suficientes para manter um clima de paz e de respeito pelas soberanias. Essa ingenuidade tornou-a um alvo apetecível e, à beira do abismo, está a aprender o quão irresponsável foi, embora ainda não seja claro que os países europeus tenham percebido que as suas políticas têm um condão especial de fazer crescer, eleitoralmente, a extrema-direita e o projecto que esta acalenta de destruição da União.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

A queixa crime contra o Presidente da República

A destruição de uma democracia não se faz apenas através de um golpe de Estado militar. Na Europa, pelo menos por agora, as pinochetadas têm um mau mercado. Não quer dizer que este não se venha a abrir, mas por enquanto está fechado. Está-se a assistir, por todo o velho continente, a uma destruição por dentro dos regimes democráticos. Uma das vias é a da judicialização da política. Em Portugal, essa é uma das vias. A queixa crime do Chega relativamente às declarações do Presidente da República mostra duas coisas, para além da mera propaganda para certo tipo de eleitorado. Em primeiro lugar, torna manifesto que os tribunais serão palco do combate político. Em vez da troca de ideias e do debate público, o recurso ao silenciamento e perseguição dos outros através do aparelho judicial. Em segundo lugar, mostra, se fosse preciso, ao que o Chega vem. Isto é com 18% dos votos e 50 deputados. Um futuro com o Chega na governação poderia ser o da perseguição pura e dura aos adversários, tidos como inimigos (é isto que a abjecta linguagem de traição à pátria, no contexto em que está a ser usada, significa) e a sua perseguição judicial, fundada numa legislação restritiva das liberdades públicas. O que é espantoso é que os partidos democráticos pareçam sonâmbulos, encolham os ombros, como se esta queixa fosse apenas uma traquinice de André Ventura. Não é. É a anunciação, mais uma, daquilo que pretende para o país.

terça-feira, 7 de maio de 2024

O caso Ana Jorge

O caso da demissão de Ana Jorge da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é um péssimo sinal do modo com o actual governo entende a prática política. Não está em causa o facto da demissão em si. Mudou o governo e a Mesa da Santa Casa de Lisboa é um lugar apetecível. O que é inaceitável é o tom de violência usado no comunicado governamental. Um terrível ataque à competência de uma pessoa que é vista, geralmente, como uma servidora pública exemplar. Não bastando isso, depois de demitida foi ameaçada que lhe seria posto um processo crime por abandono de funções se ela não continuasse nas funções de que tinha sido demitida. Este comportamento é inexplicável numa democracia liberal, e deixa perceber a existência, mesmo na direita democrática, de fortes tiques autoritários e justicialistas.

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Democracia e Estado de direito

Por vezes, confunde-se um regime democrático e um regime com Estado de direito. É verdade que, por norma, um Estado de direito corresponde a um Estado democrático pleno. Contudo, nem sempre uma democracia corresponde a um Estado de direito. A União Europeia acabou de encerrar um procedimento contra a Polónia por desrespeito do Estado de direito, nomeadamente, por desrespeito à independência do poder judicial (aqui). A Polónia, antes das últimas eleições, tinha um regime democrático, mas o Estado de direito estava a ser posto em causa. Emergiu dentro da União Europeia, começou na Hungria, uma versão de democracia que está a pôr em causa o carácter liberal das democracias. Tomou a designação de democracia iliberal, pois este tipo de regime tende a não respeitar plenamente os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e a perverter a independência do poder judicial em relação aos podres legislativo e executivo. Não basta a existência de eleições, mais ou menos livres, para se viver numa democracia plena. É necessário que essa democracia esteja alicerçada num Estado de direito assente na independência dos vários poderes.

domingo, 5 de maio de 2024

Um episódio na libertação dos presos políticos

Numa entrevista transmitida ontem pela Antena 2 (ouvir aqui), João Menino Vargas, um dos oficiais que, em 1974, libertam os presos políticos da prisão de Caxias, conta como um oficial spinolista, com ordens do General Spínola, pretendia uma libertação muito moderada dos detidos por delito político. Este episódio mostra claramente que o General Spínola e o spinolismo estavam longe de uma transição efectiva para uma democracia liberal, na qual é inaceitável a existência de presos políticos. Não se compreende nada do que se passou entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975 se não se tiver em conta o papel do General Spínola, desde muito cedo - talvez desde o primeiro momento - agastado com o curso dos acontecimentos. A democracia não veio pela mão do General Spínola. Veio, apesar da mão dele. 

sábado, 4 de maio de 2024

Os ataques a imigrantes

Os ataques a imigrantes vindos do Magrebe, ocorridos na cidade do Porto, é possível que combinem dois aspectos que nenhum regime democrático poderá tolerar, o racismo e o justicialismo. Este último no imaginário de quem perpetrou os crimes é uma tentativa de substituição das autoridades que, essas pessoas, pensam demasiado benevolentes. Quando no cerne de um regime democrático existem com peso institucional partidos políticos que não hesitam na deriva racista e que arvoram o justicialismo como causa, é plausível que haja quem se sinta legitimado para este tipo de actos. Estes ataques inserem-se numa campanha de desestabilização das instituições democráticas. No X (Twitter), Luís Montenegro disse o que o primeiro-ministro de um país democrático deve dizer.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

O problema colocado pelas SCUT

A questão do fim das portagens nas SCUT veio pôr - ou tornar a pôr - um problema delicado. Os votos do PS e do Chega, contrariando a vontade do governo em funções, vieram pôr fim ao pagamento de portagens nas SCUT. Isto pode ter sido a abertura de um caminho para que as contas públicas entrem de novo em roda livre. O PS, enquanto governo, manteve as portagens, mas surge agora numa deriva oportunista a eliminá-las, adicionando os seus votos aos do Chega. Isto pode ser um caso isolado, mas pode também ser o início de uma coisa muito desagradável. Sempre que apetecer ao PS ou ao Chega tentar ganhar votos à custa do orçamento de Estado, teremos uma coligação negativa. É provável que o Chega não seja afectado pelo seu comportamento irresponsável, mas é muito possível que o PS pague duramente nas urnas, caso continue por esta deriva oportunista.

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Governo à procura de uma crise

O governo está a procurar uma saída das suas fantasias eleitorais. O sintoma disso é a acusação ao anterior elenco governativo. O ministro das Finanças acusa-o de ter aprovado, pós-eleições, medidas com impacto orçamental. Fala em défice de 600 milhões (aqui). Os governos de coligação PSD e CDS precisam, desde há muito, de uma justificação para se sentirem livres para aplicar as suas medidas de penalização das classes médias e populares. Essa justificação é sempre a do governo anterior que deixou o país de tanga, uma célebre expressão de um primeiro-ministro do PSD. Como no caso actual, o país estava equilibrado, nota-se um esforço significativo para o descobrir um buraco que permita aplicar as medidas restritivas que a direita portuguesa sempre sonha. Por norma, na oposição, o PSD é o partido mais radical nas promessas aos eleitores. Chegado ao governo liberta-se das promessas e volta-se para a agenda que sempre teve. A partir de agora, não vão faltar proclamações sobre o estado caótico em que o anterior governo deixou o país. A sua agenda real - não a eleitoral - só exequível em situação de crise. E se esta não existe, há que inventá-la.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

A importância política do salário mínimo

Hoje, dia 1 de Maio, vale a pena olhar para o artigo Subida do salário mínimo impulsionou ganhos para 54% dos trabalhadores, no Público (aqui). O artigo refere um estudo de Carlos Oliveira para o Labour Economics, de Dezembro de 2023 (o estudo pode ser lido aqui). Segundo o autor, o salário mínimo entre 2006 e 2019 está ligado, de forma notável, à diminuição da desigualdade económica, bem como ao incremento em 40% do próprio salário médio. Conhece-se bem as ladainhas que são recitadas sempre que o salário mínimo é aumentado, nomeadamente, quando isso é feito em governações à esquerda. A economia nacional implodiria e talvez o mundo acabasse. Até agora, porém, nem a economia nacional implodiu nem o mundo acabou. 

Se é importante para os trabalhadores o incremento salarial, dando-lhes hipóteses de uma vida mais digna, a questão da igualdade é central para o bom funcionamento das comunidades nacionais. Uma sociedade completamente igualitária seria distópica e disfuncional. Contudo, uma diminuição das desigualdades é central para um bom clima social nessas comunidades. As pessoas têm de sentir que vale a pena cooperarem, pois o seu esforço e a sua função são reconhecidos. A questão do reconhecimento é estruturante para a vida em comunidade. Esse reconhecimento terá de ser feito de múltiplos modos, mas o reconhecimento através do rendimento tem um papel fundamental. É bom que não se esqueça isso neste 1.º de Maio e nos restantes dias do ano.