Paulo Rangel, actual ministro dos Negócios Estrangeiros, propôs aos candidatos da AD para as eleições europeias que defendessem uma política demográfica comum e uma imigração ponderada (aqui). O centro direita parece estar a começar a compreender um problema que a esquerda ainda não entendeu. Trata-se de que a política visa, em primeiro lugar, assegurar a persistência no tempo de uma comunidade soberana. O impulso político não é, primeiramente, um impulso moral, mas digamos um impulso ontológico, ou na linguagem política dos dias de hoje um impulso existencial.
A esquerda continua afectada pela influência antipolítica do pensamento marxiano. O Estado e a política eram vistos como o resultado de um conflito de interesses insanável - a luta de classes - e o objectivo seria liquidar, a médio prazo, o próprio Estado, que é considerado a estrutura de dominação de uma classe sobre outra. Esta visão, proveniente do século XIX, lançou uma sombra até aos nossos dias, onde a política, para além da gestão do conflito entre classes, retornou em força. E retornou centrada naquilo a que podemos chamar a sua essência: assegurar, como se disse, a persistência no tempo de uma comunidade soberana.
Há duas coisas que parecem estar a atormentar parte substancial dos eleitorados europeus e que estão ligadas entre si e se conectam com a essência da política. Isso tem sido explorado, não sem êxito, pelas extremas direitas e pelas direitas radicais, através da questão da identidade das comunidades políticas e da sua soberania. A baixa natalidade de muitos povos europeus e a presença de fortes contingentes de imigrantes conduzem a uma percepção de que a comunidade soberana que a política deveria defender está em perigo. Em perigo porque não se reproduz o suficiente e em perigo porque está a ser infiltrada por culturas diferentes e que são sentidas como incompatíveis com a cultura original, digamos assim, dos povos que acolhem essa imigração.
Quando se trata de política não é relevante se as percepções são verdadeiras ou são falsas. O importante é o grau de disseminação dessas percepções na comunidade e, por isso, no eleitorado. O que a generalidade dos partidos democráticos tem feito é contrapor a esta questão eminentemente política respostas de ordem moral, as quais se manifestam em acusações de racismo e de xenofobia. O problema é que estas acusações não têm poder de penetrar no eleitorado e alterar o seu sentido de voto. Pelo contrário, estão a entregar os eleitores à radicalidade da direita racista e xenófoba. É altura de os partidos democráticos olharem para o problema de frente, perceberem que a política não trata apenas, nem essencialmente, da questão da distribuição dos rendimentos, e perceber por que razões o radicalismo de direita está a incendiar os eleitorados até há poucos anos tão moderados.
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