O populismo parece disseminado por eleitores de todo o espectro partidário. É o que mostra o projecto de investigação 50 anos de Democracia em Portugal: Aspirações e Práticas Democráticas - Continuidades e Mudanças Geracionais, do ISCSP/CAPP (aqui e aqui). Generalizou-se uma percepção da realidade política extremamente perigosa. Essa percepção conduz a atitudes de rejeição do sistema político e a um antielitismo feroz, duas atitudes cavalgadas pela extrema-direita. Nessa rejeição, manifesta-se uma velha cultura que teve o seu fundamento na Estado Novo, mas que, depois da abalada pela transição à democracia, foi, paulatinamente reganhando fôlego.
Quase 87% dos portugueses pensam que os políticos e os partidos defendem os seus privilégios. Cerca de 82% julga que os políticos são desonestos e corruptos e mais de 81% afirmam que os partidos falam muito, mas fazem muito pouco. Se quisermos falar de uma vitória póstuma do salazarismo, estas percepções sobre os partidos político e os políticos democráticos são um prova elucidativa. É uma visão negra dos instrumentos democráticos. Além de negra, ela é falsa e esta falsificação resulta de vários factores.
Em primeiro lugar, provém de uma generalização abusiva em que se passa de casos específicos para uma generalização alimentada pelo furor da comunicação social. Em segundo lugar, origina-se numa inveja perante aqueles que ocupam os cargos de poder e são pessoas iguais a todas as outras, pessoas que não têm uma aura de sacralidade que as retira dos olhares públicos, como acontecia com os políticos da ditadura, protegidos pela censura e pela polícia política. Em terceiro lugar, pela cultura antidemocrática e antipartidária proveniente, como se disse, do Estado Novo e fomentada por aqueles que nunca se resignaram à liberdade.
Contudo os dados mais preocupantes são dados por dois elementos do estudo. Quase 85% dos portugueses acham que os políticos devem seguir o povo e quase 70% defendem que as decisões importantes deveriam ser tomadas por cidadãos (através de referendos). A cerne da democracia liberal é a representatividade. E ela é representativa não apenas por uma questão prática da impossibilidade de envolver todos os cidadãos na trabalho legislativo e executivo, mas, fundamentalmente, para evitar que a irracionalidade emotiva e a exploração demagógica arrastem a comunidade para a tomada de posições irracionais e odiosas.
As democracias liberais são demo-aristocracias, nas quais as elites políticas (a aristocracia das democracias modernas) são abertas, podendo qualquer um fazer carreira política. Qualquer um fazer parte das elites políticas, segundo o seu talento, é um dos traços democráticos do sistema. O outro é a escolha das elites governativas. Esta depende do voto popular. As democracias liberais existem não apenas para evitar o conflito armado entre elites rivais, mas também para evitar que os políticos sigam o povo, quando este é movido pelos instintos cegos e por paixões irracionais. Que os portugueses não o entendam é um dado muito preocupante.
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