Teresa de Sousa, no Público de hoje, titula a sua crónica com um Estamos a viver a "normalização" da extrema-direita. Por "normalização" entende o crescimento dos partidos da extrema-direita e da direita radical um pouco por toda a Europa. Ora, esta constatação insere-se numa imensa literatura, jornalística e académica, sobre a ascensão do radicalismo de direita e da crise da democracia liberal. Talvez o melhor caminho para perceber o que se está a passar não seja focar o olhar na extrema-direita, mas na crise que atravessa a visão liberal tanto ao nível interno dos países democráticos como ao nível geopolítico, onde a ordem liberal está a ser consistentemente desafiada pelos regimes autoritários.
A extrema-direita e a direita radical crescem porque as políticas liberais - nos seus diversos níveis e não apenas no económico - não estão a responder com eficácia às perturbações sentidas pela comunidade política. Se se definir como objecto da política a gestão da autoprodução contínua de uma comunidade soberana, percebe-se que aquilo que está a assustar as pessoas e as leva para os braços dos radicais de direita é o temor não apenas da perda de soberania da sua comunidade política, mas também a sensação de que essa comunidade está a perder a sua identidade e, por isso, a perder a continuidade, isto é, a morrer. E não importa, do ponto de vista político, se a essas identidades são imaginárias ou se essa perda é, também ela, imaginária.
O cosmopolitismo liberal fundado numa ideia de sociedade resultante de um contrato racional entre indivíduos, tradição que vai de Locke a Kant e aos liberais contemporâneos, está a ser incapaz de lidar com as pulsões comunitárias fundadas na história e na tradição, nas mitologias identitárias que alicerçam as comunidades políticas e que tinham a sua expressão política forte na figura do Estado-Nação. Nos anos noventa do século passado e no início deste, havia uma imensa literatura sobre a morte do Estado-Nação, nomeadamente, o europeu. Ora, talvez a notícia dessa morte fosse exagerada. O crescimento da extrema-direita e da direita radical parece a modalidade que tomou a resistência do Estado-Nação ao anúncio do seu desparecimento. Sem perceber isto, o projecto liberal, tomado na sua amplitude, será incapaz de lidar com a situação e perceber aquilo que nele está assustar as pessoas, levando-as a fazer escolhas que acabarão por deitar fora o bebé com a água do banho.
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