O primatologista Frans Waal disse, referindo-se ao seres humanos, somos parte natureza, parte cultura, em vez de um todo bem integrado. A moralidade humana é apresentada como uma fina camada sob a qual fervem paixões anti-sociais, amorais, egoístas. É impossível compreender os actuais comportamentos políticos sem ter em consideração aquilo que nós somos. A cena política foi dominada nas últimas décadas, desde o fim da segunda guerra mundial, por duas concepções políticas rivais, que se combinaram em diversos matizes, mas ambas fortemente ancoradas na moralidade. Tanta as concepções liberais como as socialistas são, antes de concepções políticas, concepções morais. Ora, assiste-se, desde o início deste milénio, à irrupção abrupta na vida política das paixões amorais, egoístas - tanto individuais como colectivas - e anti-sociais. A capacidade da extrema-direita em atrair o eleitorado está no facto de ela conseguir desencadear paixões que as moralidades racionais apolíneas, presentes no liberalismo e no socialismo, já não conseguem suster. Como explicar o poder de atracção que uma figura como Donald Trump exerce em parte muito significativa do eleitorado? O que se está a passar é o estilhaçar dessa fina camada moral sob a qual fervem as nossas paixões. Não é a primeira vez que isso sucede na história, e, por norma, os resultados não são recomendáveis. O filósofo norte-americano John Rawls pensava que seria possível que concepções abrangentes de vida (morais, religiosas ou filosóficas) razoáveis, mas incompatíveis, convivessem numa sociedade democrática baseada em princípios de justiça imparciais. O problema, porém, é diferente nos nossos dias, pois emergiram nas sociedades ocidentais concepções abrangente irrazoáveis, de forte pendor dionisíaco, que não estão dispostas a qualquer consenso.
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