sábado, 24 de agosto de 2024

A mulher como problema político

Um dos problemas estruturais da política é o do estatuto das mulheres. Não há nada como situações radicalizadas e hiperbólicas para o perceber. Uma nova lei no Afeganistão dos talibãs proíbe a mulher de ler, cantar ou falar em público. Mais, as mulheres devem cobrir todo o corpo em público, incluindo o rosto, para evitar causar tentação ou evitar olhares indesejados (aqui). Esta situação absolutamente paranóica permite perceber com clareza extrema muito do que se passa na política, mesmo na dos países ocidentais, aqui de forma mais disfarçada. Os homens não conseguem confrontar-se com o facto de as mulheres terem a liberdade de dirigir a sua própria vida e, o pior tormento, a sua sexualidade. E isto tornou-se uma questão política, como se pode ver nos EUA, mas também já na Europa. Não é por acaso que os rapazes das novas gerações se inclinam cada vez mais para soluções extremistas de direita, na ânsia de pôr as mulheres no devido lugar.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Presidenciais, mais 10 anos?

Duas notícias do Público trazem de volta os cenários para as próximas eleições presidenciais. Numa, Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, avança com o nome de Leonor Beleza como candidata na área do centro-direita (aqui), tornando ainda patente que o PSD tem um bom stock de presidenciáveis, Marques Mendes, Passos Coelho e Durão Barroso. Na outra, refere-se que há, na esquerda, uma vontade de encontrar um candidato comum, mas que BE e Livre não vêem com bom olhos a candidatura de Mário Centeno (aqui). Outros nomes apontados na área socialista, como António Vitorino ou Santos Silva, são também problemáticos e pouco atraentes para o eleitorado. A direita detém a presidência da República há 20 anos e, com a ausência dos candidatos naturais da esquerda, António Guterres e António Costa, prepara-se para mais dez anos de presidência.

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

O discurso de Trump

Há alguns sinais interessantes sobre uma possível vitória de Kamala Harris nas próximas eleições presidenciais. O mais interessante é o próprio discurso de Trump. Ao acusar Kamala Harris de comunista ou, agora, de afirmar que com ela na presidência teremos, quase certo, uma terceira guerra mundial, Trump parece desesperado. É evidente que para uma parte dos eleitores republicanos o que Trump diz da democrata é a pura verdade, mas esses são os eleitores indefectíveis, os quais votariam em Trump mesmo que este se transformasse numa galinha, e não aqueles que decidem as eleições. Veremos se Kamala Harris e Tim Walz continuam a ter o talento suficiente para provocar em Trump um discursos inverosímil de tão catastrofista que é.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

A política e a carne no assador

Lê-se, num lead de uma notícia no site  da SIC, o seguinte: Montenegro pôs carne a mais no assador. É bom dar dinheiro às pessoas, mas politicamente não era preciso. O PS não vai impedir o orçamento. O autor do excerto é José Miguel Júdice, tê-lo-á proferido num comentário na televisão. Não é o conteúdo que é interessante, mas o estilo, nomeadamente, a expressão Montenegro pôs carne a mais no assador. Esta expressão metafórica não provém de uma preocupação culinária, mas deriva do comentário futebolístico. Estas transferências linguísticas do futebol para a política estão longe de ser inconsequentes, mesmo que sejam espontâneas. Estabelecem uma analogia entre futebol e política e transferem para a política a relação hooliganesca que as claques dos clubes têm com o jogo. A degradação da política também acontece pela degradação da linguagem dos comentadores.

terça-feira, 20 de agosto de 2024

A incontornabilidade do referendo

O Chega precisa, para justificar o voto contra o orçamento, de um pretexto. Encontrou-o no referendo sobre a imigração. Sabe perfeitamente que o governo não aceitará esse referendo. A incontornabilidade do referendo (aqui) visa a chicane política e encontrar uma desculpa perante os eleitores de direita para fazer depender o orçamento do governo das boas graças dos socialistas. Resta saber se este truque terá algum efeito positivo para o partido de Ventura. Mais uma vez, o Chega não é uma solução para os problemas do país. Ele é um dos problemas.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Em louvor do centro político

Há, em Portugal, uma expressão política de contornos tenebrosos. Trata-se de "centrão". Designa o arco da governação, PS, PSD e CDS, os quais vão trocando de lugar na governação e na oposição. Por norma, é associada aos interesses, como quando se diz o "centrão de interesses". Isto faz parte da bavardage política. O seu carácter tenebroso está naquilo que não é dito. A mensagem subliminar é se o centro não é virtuoso, então a virtude estará nos extremos. É uma forma encapotada de louvar soluções políticas insensatas e perigosas. Sempre que a solução política se radicaliza, a sociedade fractura-se. As soluções de centro - ora à direita, ora à esquerda - não são iguais, mas asseguram um equilíbrio que evita a polarização política e promove a prudência nas decisões. Contrariamente ao que muitos pensam, dirigir uma comunidade política não visa arrastá-la numa aventura, mas assegurar a sua continuidade no tempo e a sua unidade na forma.

domingo, 18 de agosto de 2024

Turismo de massas

No Público, um artigo de Michael Hagedorn, consultor no âmbito da cooperação internacional, tem o sugestivo título de Lisboa prostituída. Torna patente como a orientação de Portugal para o turismo de massas está a matar a sua capital e, por certo, começa a matar outras cidades. Os portugueses têm um talento inexcedível para repetir os erros do passado. Foi o ciclo das especiarias, foi o ciclo do ouro do Brasil e, agora, temos as novas especiarias e o novo ouro do Brasil, o turismo de massas. Como nas épocas anteriores, alguém vai ganhar muito dinheiro e, a generalidade dos portugueses, vai ficar com uma vida pior. Há uma inclinação nacional para a facilidade. O pior, porém, são as elites políticas que, em vez de contrariarem essa inclinação, são o seu suporte e a sua força dinamizadora. O que iremos inventar, para fugir àquilo que é exigente, quando o ciclo do turismo de massas se fechar?