Quando se fala, hoje em dia, sobre o período político que mediou entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, há uma tentação grande para distorcer a factualidade. A narrativa conta que se travava uma grande luta entre os defensores da democracia liberal e os comunistas e a extrema-esquerda. Ora, isto pura e simplesmente é falso. Havia no país, muito bem demarcadas, quatro facções em conflito. Os defensores de um regime democrático-representativo, como o actual, encabeçados por Mário Soares, secundado por Sá Carneiro e Freitas do Amaral (com os respectivos prolongamentos militares). Havia os defensores de uma radicalização da Revolução e o caminho para qualquer coisa tipo ditadura do proletariado, escorados na extrema-esquerda militante e extremamente activa (com prolongamentos militares). Havia o Partido Comunista (também com os seus apoios militares, por certo) numa situação extremamente difícil, devido à pressão da extrema-esquerda e à sua convicção (aliás, correcta) de que aquilo que a extrema-esquerda pretendia era não apenas utópico, mas perigoso, pois poderia levar ao conflito e à restauração da ditadura. Havia, coisa que se tornou moda esquecer, os defensores do antigo regime e do império colonial (também eles com os seus militares de apoio e as suas milícias em organização), bastante activos. Nada do que se passou entre o dia, vamos lá, 2 de Maio de 1974 e o dia 25 de Novembro de 1975 pode ser lido a preto e branco. Havia uma deriva da extrema-esquerda? Havia. Mas não era a única. A extrema-direita nunca deixou de ser uma ameaça à democracia nesse tempo. O caso do PCP é o mais interessante, pois querendo mais do que uma democracia burguesa, não tinha qualquer ilusão sobre aonde conduziria o delírio da extrema-esquerda, e como isso se abateria sobre o próprio PCP. Nunca pôs em causa o regime pluripartidário, tentou segurar as chamadas conquistas de Abril – economia nacionalizada e a chamada Reforma Agrária – mas num quadro de compromisso com a democracia representativa. O 25 de Novembro teve vencedores e teve derrotados. Do lado dos vencedores, está Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral e os militares moderados. Do lado dos derrotados está a extrema-esquerda e, coisa que é esquecida, a extrema-direita, que deixou de ter espaço político para manobrar, tendo entrado decisivamente pelo terrorismo. Quanto ao PCP, ele ficou do lado dos que empataram. Perdeu no modelo económico, ganhou em livrar-se da pressão utópica da extrema-esquerda e também do perigo de ter de voltar à clandestinidade, e não perdeu no modelo de regime pluripartidário, onde se integrou como um dos elementos centrais da democracia portuguesa. O mais importante, porém, é que nada daquele tempo é simples e claro, como há muito se quer fazer crer.
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